“Lá dentro nós somos reféns”. O relato do agente penitenciário expressa a situação vulnerável em meio às diversas prisões no estado de São Paulo. As falhas do sistema penitenciário brasileiro se aplicam aos servidores do estado que precisam conviver diariamente com essa realidade violenta para garantir seu sustento. Dirigido por Pedro Bial, Claudia Calabi e Fernando Grostein Andrade, baseado no livro de mesmo nome escrito por Dráuzio Varella – esse que também participa do documentário -, “Encarcerados” usa de um consenso social para estabelecer os cenários propostos sem desenvolver o ambiente que apresenta.
Logo de início, percebe-se uma construção centrada nos relatos levantados pelos agentes, assim como nas situações absurdas que precisam enfrentar para dar cargo de sua função. A organização dos fatos – e da montagem – passam a sensação de estarem lidando com bestas ensandecidas esperando o momento para atacar. Talvez, a proposta inicial fosse caracterizar a desumanização dos presos, mas a junção de áudio e visual se complementam indiretamente para representar a falta de estrutura das prisões, bem como a superlotação que está cada vez mais preocupante. Enquanto aparecem os relatos, são mostradas celas onde mais de dez presos dividem o mesmo espaço, alguns com mais de 20 em um espaço mínimo.
Essa falta de sensibilidade com o espaço relatado demonstra o maniqueísmo adotado pelos diretores para colocar os presos como párias sociais. É necessário fazer um recorte muito cauteloso sobre tais questões, e o que aparenta é uma distribuição muito clara do que pretende manifestar. Seria condizente, até certo ponto, se mantivesse a linha de tratar a realidade dos carcereiros como foco principal. Entretanto, o documentário adquire tons sensacionalistas quando muda seu discurso para episódios violentos ocorridos em presídios. Vale citar tal momento em que um dos carcereiros expõe um álbum de fotografia mantido em casa, onde contém diversas fotos de corpos multilados e dilacerados. Ele apresenta como memórias de um passado violento – já que o mesmo não está mais ativo – e a frontalidade da câmera é trabalhada de forma a gerar o choque pelas imagens, sem discutir o verdadeiro horror por trás dessas lembranças.
As falas de Dráuzio Varella parecem ir na contramão do próprio documentário. Enquanto se foca na crueldade da situação, Dráuzio contrapõe com o bom senso. Suas falas adentram como guia contextual da realidade insinuada e apresentam o que de fato acontece com o sistema carcerário. Em poucos momentos traça comentários como superlotação das cadeias, violência policial, descaso do estado, psicológico dos carcereiros, tudo isso enquanto a direção faz costuras sobre todos os aspectos, porém, não desenvolve nada concreto.
Quando volta ao passado para explicar onde surgiu tal onda de violência, investiga o massacre do Carandiru. A chacina ocorrida na Casa de Detenção de São Paulo, em 2 de Outubro de 1992, deixou 111 mortos em uma ação genocida da polícia militar. Inserir este fragmento da história dentro da narrativa poderia gerar ainda mais sensacionalismo, mas, felizmente, não é o caso. O massacre tem seu devido respeito e desenvolve suas consequências como a união dos presos contra a violência policial e a criação do PCC (Primeiro Comando da Capital) como ferramenta de organização entre os mesmos. Os elementos operados pela direção dão um bom panorama dos reflexos causados pelo Carandiru e evidenciam as lacunas deixadas pelo estado nesse ambiente. A segregação pregada por órgãos institucionais e sociais tem ação direta no que acontece dentro do sistema carcerário e “Encarcerados” deixa isso a mostra quando decorre sobre os resultados de negligenciar os processos de reeducação social.
Faz- se presente um filme mais maduro, tanto em abordagem, quanto discurso. A confusão sensorial de imagens se contrapondo e se completando no mesmo ritmo externam as indecisões temáticas de um filme que muito sobrevoa e pouco repousa nos fatos. Resta uma sensação de telejornalismo em querer relatar tudo dentro de pouco tempo. Falta um norte na manipulação do material fonte. Sua maior sorte é que o audiovisual tem a possibilidade de fugir das rédeas de seu realizador e se ressignificar por si mesmo por meio dos registros. Dessa vez, a imagem atuou pela imagem.