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    Crítica | Falsos Milionários

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    Nomeada em referência a um mendigo que venceu na loteria na esperança de que ele acidentalmente deixasse a herança em seu favor, Old Dolio (Evan Rachel Wood) é uma jovem que vive com os pais num escritório anexo a uma loja. A família vive de aplicar pequenos golpes. Furtos a agência de serviço postal, trocas de cupons recompensáveis, entre outros, são esquemas que habitam a tela na primeira parte do filme, enquanto a diretora Miranda July vai apresentando seus personagens e a dinâmica de vida deles como um típico exemplar de família disfuncional.

    De início, Falsos Milionários pode soar como mais uma entre tantas outras comédias dramáticas indie de família excêntrica. É até justo que se tenha essa desconfiança, já que de fato a diretora dedica boa porção da projeção a estabelecer o modo como se passam os dias da protagonista e de sua família, imbuindo tudo de um ar que implora para ser visto como esquisito, marginal, outsider num sentido não apenas socioeconômico, mas de filosofia de vida. Todas as interações, nesse primeiro momento, são apresentadas como pautadas pelo material, pela necessidade do ganho financeiro imediato. O mundo é posto em tela como um lugar inóspito, sem vida, em que os personagens se veem tragados a uma sobrevivência que se limita a aplicar golpes e conseguir vantagens.

    O que poderia facilmente desandar para um exercício vazio de excentricidade e provocação pelo estranhamento, porém, logo vai ganhando contornos mais profundos. O aparente fetichismo indie de que a diretora lança mão no primeiro ato parece funcionar como porta de entrada para a construção de sua visão sobre o afeto. Mais do que um drama familiar, Falsos Milionários, conforme os meandros de sua narrativa vão se desenhando e sugerindo novos rumos, toma forma de exercício íntimo de descoberta do afeto como possibilidade. Há uma cena, em específico, concebida como uma espécie de renascimento simbólico da protagonista. Seu arco é definido pela morte da sociabilidade dura e utilitarista que lhe foi imposta pelos pais e pelo renascimento enquanto ser digno de dar e receber afeto.

    Nesse sentido, é interessante notar como os momentos dramaticamente mais reveladores são marcados pelo toque, pelo contato físico. A caracterização em si da protagonista já é bastante indicativa em sua caricatura de ombros arqueados e voz introvertida, mas, para além disso, July faz questão de enfatizar os planos em que ela toca ou é tocada, seja no desconforto revelado pelo recebimento de uma massagem, no estranhamento de assistir a uma palestra sobre recém-nascidos rastejando até os seios da mãe, no primeiro contato com um possível interesse romântico ou no clímax que a redime física e espiritualmente. São momentos que intuem uma jornada paulatina de extravasamento, de liberação, que será concluída no tão apoteótico quanto íntimo final. Seria possível traçar um bom resumo afetivo do filme a partir da justaposição dessas passagens, então nada mais adequado do que a solenidade que a diretora lhes reserva.

    Falsos Milionários pode até se valer aqui e ali de tiques de uma tradição indie de cinema “mamãe, quero ser diferente” que lhe precede. No fim das contas, porém, Miranda July parece compreender que pertencer a um filão de produções com público fidelizado não precisa implicar em aderir a uma fórmula e usá-la como muleta. É possível e desejável que as convenções sejam apenas pontos de partida para a elaboração de algo com cara e coração próprios, e é isso o que se vê aqui. Um filme com muito mais calor humano e carinho genuíno por seus personagens do que a aparência de exploração caricatural sugere de início.

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