ter, 30 abril 2024

Crítica | Guerra Civil

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Após viajar pela ficção científica com ‘Ex Machina: Instinto Artificial’ (2014) e ‘Aniquilação’ (2018)’ e pela fantasia em ‘Men: Faces do Medo’ (2022), o diretor Alex Garland volta aos cinemas com um thriller de ação que conta com várias críticas ao EUA em pleno ano eleitoral estadunidense. ‘Guerra Civil’ conta a história de um conflito interno nos Estados Unidos, com vários grupos lutando violentamente dentro do país. A fotojornalista Lee Smith (Kirsten Dunst) e Joel (Wagner Moura) tentam chegar a Washington para entrevistar o presidente, que não fala com a população há 14 meses.

Desde o primeiro plano, Garland já deixa claro como funcionará sua ação: gráfica, com sangue e sem medo. O presidente dos EUA (interpretado por Nick Offerman) está se preparando para dirigir-se à nação, enquanto a montagem alterna entre closes do rosto do político mais importante do mundo e as imagens de dor, confusão e sangue que estão nas ruas do país que deveria proteger. “Segundo alguns, será a maior vitória da humanidade”, diz o presidente, enquanto sorri e corta para uma poça de sangue causada pelas armas dos seus militares.

Ao contrário da abordagem de vários diretores contemporâneos, Garland prefere enriquecer a experiência mostrando o cenário, deixando claro a destruição que está nos Estados Unidos, seja com uma rodovia lotada de carros parados, corpos sem vida no chão ou em bombardeios contra a população que apenas requisitava acesso à água. Os EUA, um país que sempre financia guerras ao redor do globo, estava em posição de Guerra Civil, algo nunca imaginado no mundo pós-Segunda Guerra. Apesar do filme seguir uma cartilha liberal para tratar das questões políticas, isso é, tentar demonizar os dois lados e dizer que “não há mocinhos numa guerra”, não atrapalha a experiência e principalmente o impacto das cenas de ação.

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Créditos: Diamonds Films/A24

Sem querer aparecer, o filme faz diversas críticas sutis aos Estados Unidos atual. Questão dos imigrantes, críticas à política externa e toda a rodagem do clímax são momentos relevantes, especialmente com a disputa presidencial que ocorrerá no maior país capitalista do mundo em novembro deste ano. Enquanto debatem sobre o que irão perguntar ao presidente, Sammy (interpretado por Stephen McKinley Henderson) ironizando sugere: “Senhor Presidente, como está evoluindo sua política sobre estar bombardeando cidadãos estadunidenses?” Em outra crítica sutil, um jovem garoto armado feriu e pendurou dois homens dentro de um lava-jato. Quando Jessie (interpretada por Cailee Spaeny) pergunta o motivo deles estarem ali. O jovem, com a arma na mão, apenas diz: “Conheço esse cara da escola. Ele não falava muito comigo”, fazendo referência às dezenas de tiroteios que ocorrem no maior país do Ocidente, especialmente nas escolas, cujo número atingiu recorde em 2023, sendo 340 registrados até 20 de dezembro do ano passado. Nessa simples linha de diálogo, a profundidade posta pelo filme já é bem superior que muitos projetos que tentam falar sobre bullying nos EUA e acabam caindo em uma fórmula.

O filme possui muitos momentos bons, mas com a cena da aparição do Jesse Plemons sendo o auge da narrativa. Além da ação gráfica, há a crítica ao jeito como os EUA tratam os imigrantes, com o militar interpretado por Plemons perguntando para Joel: “Você é americano? Mas de qual América? América do Sul? América Central?” e deixando Joel passar ileso após falar que é da Flórida, mas punindo Tony (interpretado por Nelson Lee), pois este era de Hong Kong, com o militar o punindo e gritando, quase comemorando: “China!”

Créditos: Diamonds Films/A24

Optando por valorizar a arte feita pela protagonista Lee, o projeto é uma excelente recomendação para quem aprecia fotojornalismo, especialmente fotojornalismo de guerra. A cada foto tirada, o filme congela, sem áudio, deixando a foto cobrir a tela, enquanto os personagens tentam registrar o momento. O ritmo da montagem acaba favorecendo esses congelamentos, pois supre as relações entre personagens, que se resumem em diálogos mais curtos e imprecisos. No meio de uma guerra, Lee é alguém com um passado forte e traumático, mesmo que isso nunca tenha sido falado. A única cena que busca contar essa história é apenas quando Lee está na banheira, com as mãos no rosto, enquanto a montagem mostra algumas das cenas que ela já fotografou no meio desse conflito (agressões, pessoas sendo queimadas, etc). As atuações mais fechadas e sérias de Kirsten e Stephen McKinley e as emoções à flor da pele de Wagner Moura e da jovem Cailee Spaeny formam uma harmonia perfeita em meio ao caos que eles encontram.

A interação entre os personagens acaba remetendo, ainda que com muitas divergências, a experiência do jogo ‘The Last of Us’, especialmente pelo contexto de um(a) adulto(a) junto com uma jovem cruzar os Estados Unidos em meio a um cenário de destruição total. Como disse, há muitas divergências entre essas duas obras, mas esta ideia para construir a relação fez bastante rima com a proposta das atuações e do roteiro, dessa frieza que vai se soltando com o decorrer da convivência daqueles personagens.

 O novo projeto de Alex Garland atrai o melhor do seu cinema, trazendo para uma realidade fantasiosa, mas com críticas atuais e pertinentes, especialmente tratando-se de ano eleitoral nos EUA. Um longa-metragem com uma campanha de marketing pesada e uma ideia muito bem estabelecida, tendo, artisticamente, valido à pena para ser o filme mais caro da A24 em sua história.

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