qua, 16 julho 2025

Crítica | Guerreiras do Kpop

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Nos últimos anos, a cultura sul-coreana deixou de ser apenas uma expressão regional para se consolidar como uma das forças mais impactantes no cenário cultural global. Esse movimento não é espontâneo: trata-se de um projeto político e institucional meticulosamente planejado, que envolve investimento estatal em cultura, tecnologia e comunicação. A chamada “onda coreana”, não é apenas entretenimento; é uma estratégia de soft power que reposiciona a Coreia do Sul como protagonista simbólica em um mundo ainda hegemonizado por imaginários ocidentais.

O K-pop talvez seja o estandarte mais visível desse fenômeno, com grupos como BTS e BLACKPINK alcançando níveis de fama globais comparáveis aos maiores ícones da música pop ocidental. Mas a força da cultura coreana vai muito além da indústria fonográfica: ela se estende aos doramas, aos games, à moda, à gastronomia e, principalmente, ao cinema. Desde o impacto internacional de Oldboy (2003), passando por obras como Invasão Zumbi (2016), até a consagração definitiva com o Oscar de Parasita (2019), o cinema sul-coreano entendeu o que os ocidentais (especificamente os norteamericanos) gostam e aproveitaram isso.

Diante do emaranhado de produções genéricas que têm marcado o catálogo da Netflix, Guerreiras do K-pop surge como uma grata surpresa — vibrante, divertida e visualmente arrebatadora. O filme adota uma estética já conhecida pelas animações da Sony, com traços que mesclam 3D e 2D em um estilo fortemente influenciado pelos quadrinhos, popularizado globalmente com a franquia Aranhaverso. Mas aqui, essa estilização vai além do visual: ela está profundamente enraizada na musicalidade, na montagem e na energia que move cada cena.

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Mesmo para quem não é familiarizado com o universo do K-pop — como é o meu caso — o longa conquista pela inventividade formal e pela maneira inteligente com que articula elementos culturais em uma narrativa acessível e contagiante. Guerreiras do K-pop entrega o melhor dos dois mundos: é um deleite para os fãs da cultura sul-coreana e uma porta de entrada carismática para os curiosos de primeira viagem. Um exemplo de quando entretenimento, estilo e identidade se encontram com precisão.

Curiosamente, ao elogiar este filme, recebi diversas mensagens de pessoas que foram assisti-lo com a expectativa de encontrar uma “bomba” — prontas para criticar —, mas que, para surpresa delas, se divertiram genuinamente. Isso me faz pensar sobre quantas experiências incríveis nos escapam simplesmente porque não nos permitimos vivê-las com abertura. Principalmente quando se trata de arte, é preciso se despir do preconceito e mergulhar de braços abertos no desconhecido.

E engana-se quem acredita que Guerreiras do K-pop se limita à música ou é apenas mais uma animação que surfa na onda da expansão multicultural do Oriente para o Ocidente. O filme fala, sim, sobre K-pop, mas também sobre identidade, pertencimento, liberdade e resistência. Há mais “camadas” aqui do que se imagina à primeira vista — e é justamente isso que o torna tão interessante.

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Na verdade, o longa é repleto de nuances psicológicas. O trio principal carrega marcas profundas do passado: Rumi, ferida pela mentira; Mira, protegida por uma couraça forjada pela repressão familiar; e Zoey, dilacerada por sua sensibilidade, vulnerabilidade e desejo de pertencimento. Cada uma delas veste uma máscara de força, aprendendo — como diz a mestra Celine — que não há espaço para cansaço ou fragilidade. São meninas obrigadas a performar invulnerabilidade em um mundo que exige espetáculo.

Até mesmo os chamados “demônios”, seres que veem em Gwi-Ma sua única chance de ascensão, não escapam dessa lógica. São criaturas moldadas pela dor, pela exclusão, pela violência do abandono — e tudo o que desejam é libertar-se das correntes que os definem como monstros. Nesse universo animado, a fantasia serve como espelho das fraturas humanas: o medo de fraquejar, o peso da performance e a necessidade de aceitação. É aí que Guerreiras do K-pop revela sua força — não apenas no ritmo ou no estilo, mas na humanidade que pulsa por trás das luzes e coreografias.

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Destaque

Caique Henry
Caique Henryhttp://estacaonerd.com
Entre viagens pelas galáxias com um mochileiro, aventuras nas vilas da Terra Média e meditações em busca da Força, encontrei minha verdadeira paixão: a arte. Sou um apaixonado por escrever, sempre pronto para compartilhar minhas opiniões sobre filmes e músicas. Minha devoção? O cinema de gênero e o rock/heavy metal, onde me perco e me reencontro a cada nova obra. Aqui, busco ir além da análise, celebrando o impacto que essas expressões têm na nossa percepção e nas nossas emoções. E-mail para contato: [email protected]
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