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    Crítica | Imperdoável

    Netflix/Divulgação
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    Não é hipocrisia dizer que quem condena (além dos olhos) é o sistema judicial. Estando certo ou errado, o órgão decide, exercendo quase a função de Deus, quais são os culpados e quais são os inocentes. Red (Morgan Freeman), de Um Sonho de Liberdade (1994), esperou 40 anos para o julgarem inofensivo; Derek (Edward Norton), de A Outra História Americana (1998) também só obteve sua alforria ao provar que estava de fato regenerado. O que ambas histórias têm em comum – assim como várias outras dentro do cinema – é que: a vida no cárcere ronda a incessante provação da “cura” comportamental do preso. E, embora o caminho para tal voto de confiança seja duro, a realidade além do visor das grades é capaz de ser igualmente penosa. Para Imperdoável (2021), dirigido por Nora Fingscheidt, um grande desafio começa a partir da saída do universo paralelo prisional, e com a entrada em um mundo que sentencia os já sentenciados. 

    Na recente produção da Netflix, Ruth Slater (Sandra Bullock), após 20 anos na cadeia, é solta em regime condicional. Sem ter para onde ir, a mulher esgueira-se em locais pouco amistosos – assim como o tratamento da sociedade para com ex-detentos iguais à personagem. Incriminada pelo assassinato de um policial, Ruth mantém apenas uma esperança: encontrar Katie, a irmã que deixou para trás forçadamente ao ser aprisionada. No entanto, a moça, já adulta, foi adotada por um casal. O filme segue, então, as dificuldades de adaptação de Ruth em um ambiente urbano que trata com normalidade o preconceito acerca da negação de uma segunda chance para um ser que retrata simbolicamente a espécie humana, ou seja: cheio de falhas. Como um aditivo, está a procura nada fácil do único vestígio positivo do passado de Ruth. 

    Netflix/Divulgação

    Quando se lida com uma maneira mais conveniente e recorrente de se refletir tempos anteriores, o recurso do flashback entra em ação. Em Imperdoável, o mecanismo que programa a memória da obra aparece e desaparece em instantes em que o signo linguístico utilizado, isto é, a comunicação entre o remetente e o destinatário, não é suficiente. Para isso, as imagens de cores saturadas protagonizadas por Ruth e Katie, inesquecíveis na mente da própria Ruth, voltam a momentos autoexplicativos com o intuito do mantimento do espectador naquela questão proposta. Com isso, obviamente, vem a empatia com a narrativa. Sem embargo do plano de anexação emocional, a cronologia um tanto confusa, visto o constante retrocesso, que, por vezes, é desejável que siga por expor um enredo mais intrigante do que o aplicado no presente; é reforçado pelos dramas vividos por alguns personagens que não se intensificam nem se aprofundam. A simultaneidade dos mesmos oferece somente um pequeno conglomerado de representações dos sentimentos que ali deveriam existir, porém sem força para serem a focagem do filme. 

    Ainda que possua uma inventividade mais branda do que deveria em relação ao tratamento das gradações de sua história, que tem em seu poder a melancolia contrastante com a sede de vingança, o longa-metragem usa da sensibilidade de seus protagonistas para adentrar em um posicionamento que infere na sistemática carcerária americana uma desumanidade perante os que dela dependem. A nítida crítica respalda tanto na lei quanto na população, até porque uma das grandes razões do declínio de Ruth está na intolerância da massa no que diz respeito à condição antecedente da personagem. Conhecida como “assassina de policiais”, a mulher tem dificuldade em conseguir um emprego digno, um local para dormir, um advogado, alguém com quem contar, etc.; como observado em Imperdoável, dividido em três atos probatórios de seu custoso rumo até a mundanidade e sua consequente resiliência, ser preso é um veredito eterno. E, ao acompanhar esta trilha, a obra se esquece de trazer à real cobiça da ex-presidiária, a gana de contatar a irmã Katie, um perigo envolvendo seu entorno a fim de uma jornada mais estimulante.

    Netflix/Divulgação

    Nora Fingscheidt, feitora de Imperdoável, colocou nos ombros de sua reversa heroína o peso de sustentá-lo. A Ruth de Sandra Bullock, que já atestou em diversos projetos sua competência – que inclusive lhe rendeu um Oscar por Um Sonho Possível (2008) -, aqui aparenta de fato carregar os 20 anos no confinamento. Apática e de semblante sofrido, Ruth é a alma do tom do filme: uma imutável sensação de peso. Todavia, toda imersão trabalhada na amargura entendível da protagonista não é transmitida para a necessidade de compreender os demais personagens. Enquanto esforça-se para demonstrar os dois lados do crime cometido por Ruth, inserindo os filhos do xerife assassinado, o longa-metragem não vai longe com sua tentativa, que alcança de forma rasa a sintonia com a dor dos homens. Ainda assim, há uma emotividade que parte de outra intérprete extremamente hábil – embora mal aproveitada -: Viola Davis. Interpretando Liz, a esposa do futuro advogado de Ruth, a personagem concede a outra, de primeira, uma opinião fechada. Porém, como qualquer bom indivíduo, consegue ouvir após a relutância. 

    Ao ocorrer o plot twist no fim de Imperdoável, torna-se coeso o desenrolar do filme, que ganha uma nova faceta, explicando bastante dos atos e das atitudes escolhidas pelos envolvidos. Logo, o “imperdoável” cabe à avaliação de cada um; a obra pode não criar arredores propícios para a expressividade de seu contexto, dando a Sandra Bullock a incumbência de sentimentalizar o próximo, mas algum tipo de comoção pode ser real. As opções simplórias de se coordenar a trama, com os habituais flashbacks mostrando planos-detalhes de partes específicas de Katie, de Ruth ou até de alguns eventos, juntamente com o foco e desfoque da câmera, tiram a chance de fazer de uma história já envelhecida, um atual discurso sobre a vivência de uma ex-presidiária mulher em terras com lei e discriminação. Contudo, um terceiro ato que, embora não contenha a descoberta mais revelatória que se pode esperar, é excitante, e com uma Sandra Bullock que sobrecarrega a narrativa já solidamente emotiva de sua personagem, concretizam o fato de ser relativo se o trabalho de Fingscheidt é ou não uma perda de tempo anexado no catálogo da Netflix. Nada obstante, somente a autonomia de proferir qualquer resposta remete à análise do filme: a liberdade vem do julgamento de terceiros ou da emancipação de seu passado?

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