qua, 1 maio 2024

Crítica | Incompatível Com a Vida

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Por meio de um detalhado registro de sua própria gravidez, a cineasta Eliza Capai, em Incompatível Com a Vida, conversa com outras mulheres que tiveram vivências semelhantes com a sua, criando uma poderosa rede de compartilhamentos de experiências que refletem temas como: vida, morte, luto e políticas públicas.

Gravidez de risco, perda do bebê e, para completar, o enfrentamento a uma sociedade cega e apegada à “valores cristãos” que põem vidas de mulheres em risco são dores irreparáveis. Discutir a legalidade do aborto em um país recém saído de um governo antidemocrático, como o Brasil, e que ainda guarda inúmeros resquícios negacionistas, extremistas e preconceituosos, torna-se tabu e poucos conseguem levar o assunto à tona com precisão e coragem, visando a necessidade de expor duras verdades, como fez a realizadora Eliza Capai em seu premiado documentário Incompatível Com a Vida.

Altamente disposta a colocar fatos, constantemente ofuscados pela sociedade, à tona, tal como fez em suas produções anteriores “Elize Matsunaga: Era Uma Vez Um Crime” e “Espero Tua (Re)volta”, Capai utiliza sua gravidez conturbada no início da pandemia para contextualizar o que estaria por vir, além de fazer paralelos entre Portugal (pais de origem de seu companheiro na época e local onde a diretora teve de realizar o aborto, já que o feto que ela carregava era incompatível com a vida) e Brasil, na questão das políticas públicas para a saúde da mulher. A falta de diálogos sobre o aborto na sociedade brasileira é transformada, por muitas vezes, em discursos de ódio e difamação, tal como aconteceu com uma criança de 10 anos, no Espírito Santo, que engravidou após ser violentada sexualmente, em 2020, e muitos outros casos que penam para um desfecho justo, sem que haja perdas de mais vidas.

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Em Incompatível Com a Vida, essa violência sofrida pela mulher, não só no Brasil, mas em todos os países que tratam questões referentes ao aborto como moral e judicialmente criminoso, não vem a ser o foco do roteiro assinado pela própria Eliza Capai, mas sim um incremento para estabelecer indignação quanto à ausência de um tratamento humanizada em casos de interrupção da gestação. Há, algo da projeção de bem aproveitada 1 hora e 30 minutos, um generoso espaço para o aparecimento de denúncias contra o descaso médico e a falta de assistência de convênios, além do discurso que clama por tratamentos humanizados. Incógnitas referentes ao durante e o depois da gravidez conturbada resultante no aborto também se tornam temáticas pertinentes à premissa do filme.

Cena de Incompatível Com a Vida. Foto: Reprodução

Em um trabalho minucioso de montagem, sob a responsabilidade de Daniel Grinspum, o documentário conversa delicadamente sobre necessidades de abortar diante de síndromes e incompatibilidades, procurando afastar qualquer culpa por parte da genitora principal. Seu maior triunfo, na verdade, é abrir espaço para que Alana, Laís, Isabela, Priscila, Shuane e Tainah pudessem tanto falar como serem ouvidas. Decupado com precisão e montado no intuito de fazer as histórias paralelas se completarem, apesar de visíveis diferenças, Incompatível Com a Vida é assertivo na construção de sua narrativa.

O retrato aprofundado da dor, da perda, do luto e da indignação é complementado com acenos à poesia, uma vez que o uso de imagens de apoio produzidas, com cenários alusivos ao desenvolvimento e a luta pela vida de um feto dentro do útero, ou até mesmo belas referências a uma situação onde a mulher se encontra desolada, ou à beira de um abismo sem fim. Amalgamada a esses recursos narrativos que intensificam a imersão na obra, está uma direção de fotografia que utiliza penumbras e planos mais fechados, para fazer referência aos sentimentos enfrentados pelas mães que precisam lidar com um assunto delicado como é mostrada no filme.

Sensivel, sincero, altamente prudente e necessário, Incompatível Com a Vida é uma enxurrada de gatilhos, além de ser uma obra de grande importância para abrir espaços de fala e quebrar conceitos equivocados que a sociedade patriarcal repetidamente atribui ao aborto.

Eliza Capai foi assertiva e poderosa ao sair detrás das câmeras para exibir e compartilhar sua própria experiência com outras mães e pais que, segundo a própria, não tiveram a oportunidade de viver o sorriso dos seus filhos.

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