ter, 9 dezembro 2025

Crítica | Jay Kelly

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Pode-se dizer que, historicamente, mesmo em seus primeiros anos, o cinema passou a tratar de si mesmo. Seja como mera descoberta de si enquanto linguagem, seja como flerte direto, a ideia de falar sobre a feitura fílmica, seja na figura do diretor ou do ator, é uma constante que ganha impulso em momentos em que a própria indústria questiona a si mesma enquanto produtora (não em processo de renovação, mas de entendimento de seu lugar no tempo da economia da atenção). Olhar para o cinema, então, torna-se um exercício de memória mais do que de presentificação: é uma atitude de entender de onde viemos, onde estamos e para onde caminhamos. Podemos citar desde Dziga Vertov, na União Soviética, passando por Fellini, na Itália, Godard, na França, ou The Fabelmans (2022), para citar um exemplo recente dos Estados Unidos.

Noah Baumbach, então, traz Jay Kelly, um exercício metalinguístico que pensa essencialmente na figura de um astro que revisita sua obra e sua vida. O ator escolhido, por sua vez, é uma figura impregnada na própria ideia do cinema estadunidense: George Clooney. Partindo de um plano longo em um set de filmagem, caminhando pelas conversas entre empresários e cenários do sul italiano, o diretor tenta traçar o panorama de uma vida em que cada escolha é fundamental para o desfecho. Dizer sim e não, seguir adiante ou virar as costas: são essas decisões que o encaminham para que aplausos sejam ouvidos no final.

É, sem dúvidas, um filme que bebe dessa noção dos gestos que Baumbach carrega em seu cinema, mas anabolizado não apenas pelo orçamento de um filme original Netflix, como também por suas ambições estéticas. História de um Casamento (2019) possibilitou ao diretor explorar sua vertente mais emocional, carregando as tintas dentro de uma arquitetura que tentava se manter inserida na cena independente americana e, ao mesmo tempo, flertando com a estética europeia que os festivais, em seus ápices, pareciam trazer para mais perto de si. O resultado, naquela época, foi a aclamação; mas é aqui que, de fato, temos um desenho da verdadeira linha de chegada.

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Baumbach, ávido para demonstrar suas referências (o já citado Fellini é a mais óbvia em suas sequências iniciais na Itália), deseja acima de tudo assinalar os pontos emocionais de seu protagonista: a relação com as filhas, a parceria com o personagem de Adam Sandler, a relação com a forma como construiu sua carreira; enfim, todos esses momentos são calculadamente construídos para uma única sensação: o choro copioso.

Destaco, com firmeza, como já venho escrevendo em outros textos, que o problema não está necessariamente na geração do sentimento ou da emoção, mas na forma como isso é construído. Baumbach não é sutil: ele é sensacionalista. É claro que Clooney terá uma relação dolorida com seu pai; é claro, também, que a homenagem que Jay Kelly receberá será uma forma de homenagear o próprio Clooney, com direito a uma montagem que deixa a de Babilônia (2022), de Damien Chazelle, em bons lençois em retrospecto.

Se Fellini fez seu Oito e Meio (1963) a fim de assinalar a crise criativa do artista e a confusão entre vida e arte, e Godard, com O Desprezo (1963), buscou refletir sobre a interferência da indústria na visão do autor, Baumbach o faz pelos méritos que poderia (e, como demonstram alguns prêmios da crítica, obteve êxito) receber por falar sobre cinema e sobre a carreira de um ator emblemático. Dessa forma, além de forçosamente emocional, Jay Kelly é um filme que assinala um processo de vaidade dentro do que poderíamos chamar (e acredito estar sublinhando algo incerto, mas) de “cinema de autor independente”.

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No final, o que nosso olhar encontra é um projeto cansativo tanto no tratamento do objeto quanto dentro de sua estética. Não há espaço para nada além do que a imagem propõe, para nenhuma emoção além daquela produzida para uma resposta automática. Há caminhos para se pensar o cinema e, definitivamente, Jay Kelly é um daqueles filmes que parece datado assim que a projeção se encerra.

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Destaque

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