seg, 23 dezembro 2024

Crítica | Jogos Vorazes: A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes

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A existência de prequels, ou seja, obras que contam acontecimentos anteriores à obra original não é incomum no cinema mainstream, porém tais produções não costumam ultrapassar ou até mesmo alcançar a qualidade das primeiras obras. Muito disso se dá pela ideia de falsa segurança de uma narrativa pasteurizada e hesita em existir independentemente do material original. Com esse contexto, é lançado Jogos Vorazes – A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes, um filme que foca em contar a origem de um dos vilões principais da trilogia original e que, felizmente, não se encaixa na definição ressaltada antes.

Na trama, acompanhamos Coriolanus Snow, vivido por Tom Blyth, durante a décima edição dos Jogos Vorazes que está enfrentando uma crise na sua audiência, nesse contexto, Snow vê uma chance de vencer na vida quando se torna o mentor de Lucy Gray, vivida por Rachel Zegler, uma tributo do Distrito 12. Durante sua mentoria, os dois desenvolvem uma conexão sincera, porém a ambição de Snow acaba sendo maior, resultando em tragédia.

Blyth carrega bastante o protagonismo do filme, seu porte como Snow mostra toques calmos e calculistas, mas existe uma nuance na humanidade que luta pela sobrevivência dentro do personagem, há vários momentos onde o personagem hesita em tomar suas atitudes mais frias para ganho próprio, Blyth convence que realmente está em conflito ao longo do filme sobre o caminho que ele está condicionado a escolher. Ao seu lado, temos Zegler que dá vida a Lucy Gray com um charme livre e genuíno.

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Francis Lawrence retorna para a franquia após dirigir os 3 últimos filmes de Jogos Vorazes. Aqui, sua construção de universo opta em retratar Panem como uma espécie de pré-distopia, através de uma estética que converge o futurismo sci-fi da bioengenharia com a tecnologia dos anos 50 dos Estados Unidos, assim cria um ar de que o mundo de Jogos Vorazes passou por um reset tecnológico em alguns aspectos e que em poucos anos conseguiu se reerguer.

Nesse mundo então Lawrence entrega uma história com um tom de tragédia épica em que vemos a sociedade de Panem com uma ideia ainda crua de totalitarismo e Snow se torna o catalisador para o controle absoluto que vemos na trilogia original. Os Jogos Vorazes nascem como uma punição crua de um estado cruel mas evoluem para uma forma mais sofisticada de controle através do espetáculo de mídia, tema que é bastante presente na franquia. Para corroborar essas ideias, temos Casca Highbottom, vivido por Peter Dinklage, o criador dos jogos originais, em que o mesmo tenta a todo custo impedir os jogos de evoluírem por perceber que no momento que eles deixarem de serem vistos como punição e sim maquiado como um espetáculo, nunca mais iam deixar de existir.

Possivelmente o que é um trunfo para o filme também acaba sendo uma irregularidade para o mesmo, a narrativa não tem medo em se arriscar no contexto blockbuster ao criar uma trama dividida em 3 capítulos ao longo de suas 2 horas e 40 minutos de duração. Tal escolha desestabiliza o ritmo da narrativa, com a urgência dos dois primeiros capítulos sendo resolvidos em si mesmos para que no terceiro tenha quase uma ideia de epílogo, com um ritmo mais calmo e contemplativo, longe de ser um capítulo desagradável, porém na experiência completa acaba sendo uma irregularidade.

No fim, A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes se mostra com coragem de ser um blockbuster mais autêntico, onde o drama épico e trágico tomam conta no lugar de cenas de ação e piadinhas, a obra respeita e às vezes referencia a mitologia do universo de Jogos Vorazes mas não deixa de ter uma identidade própria, tornando sua existência válida e chamativa. Assim, a poesia trágica da cantiga mostra um valor, talvez maior, épico no lugar da voracidade da trilogia passada.

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