Ao término de King Richard: Criando Campeãs, fica evidente que o diretor Reinaldo Marcus Green permite uma conclusão muito clara: seu real interesse em domesticar o espectador num ambiente familiar delineado por discursos esperançosos e sentimento de pertencimento. Revela não só sua aspiração em fragmentar essa história em suas batidas “quero oscar”, mas também em fazer dessa inclinação a unidade central que move todo o corpo emotivo da narrativa. Nesse sentido, é na ingenuidade e no pacifismo que o filme encontra sustentáculo, tanto para sua dialética quanto para seu conforto.
Na trama, baseada em uma história real, Richard Williams (Will Smith), ao lado de sua esposa Oracene Williams (Aunjanue Ellis), desenvolvem um ambiente familiar acolhedor e um método de treinamento adequado para que Venus (Sanyya Sidney) e Serena (Demi Singleton), duas de suas filhas, ganhem evidência e preparo técnico completo para competir em torneios de tênis de alto nível.
A caracterização familiar mais derivativa da obra de Marcus Green – a Kombi que leva Richard e toda sua família, as lições de humildade a partir da exibição de Cinderela – gera excelentes momentos dramáticos, que extraem um real sentimento de encanto atuação de Will Smith e transmitem uma forte sensação de intimidade com o espaço. Por outro lado, essa mesma caracterização acaba deixando o filme conformado com muito pouco. Afirmar a competência técnicas das biografadas e permear a obra de doçura definitivamente não segura 2h20min de duração.
Dessa forma, King Richard perde carga dramática justamente no aspecto que se mostrava inicialmente como fator motor da narrativa: a florescência técnica e visibilidade graduais das jogadoras. Se o fato do filme centralizar toda sua atenção nas reações e sentimentos da personagem de Will Smith reserva-lhe um arco um pouco mais complexo – ainda que caricato -, por outro anula quase que por completo a potência dos personagens coadjuvantes. As presenças de Venus e Serena Williams, que são, por competência, as grandes estrelas representativas da cinebiografia, resumem-se a pouco mais de um sorriso aguado e uma birra acanhada para o próprio Richard. E é desse mesmo desprezo que sofre a personagem de Aunjanue, mãe e cotreinadora de Venus e Serena, que, apesar de obter considerável êxito expressivo com o pouco que possui em mãos, não se manifesta tanto além de um tapinha nas costas e um puxão de orelha no protagonista.
É inegável, logo, que subsiste força em muitas escolhas formais e narrativas de King Richard, em especial no primeiro ato. Há uma cena envolvendo violência direta e racismo que, embora não pareça ter propiciado qualquer impacto adiante na narrativa, é reveladora da sensibilidade de Marcus Green em sua noção de espaço e principalmente na sua capacidade de conduzir a tensão em cena de maneira fluida e bastante direta. Fica evidente que o filme não carece de possibilidades, porém desdenhar da presença dos essenciais coadjuvantes e jogar toda a carga dramática nas costas de Will Smith de fato não se faz suficiente por muito tempo.
Texto escrito por João Guerra (instagram: @joaoguerraal).