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    Crítica l A Felicidade é de Matar

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    Feita por altos e baixos, a carreira de Jack Black segue tentando evocar seus tempos de ouro. Protagonista de O Amor é Cego (2001) e Escola de Rock (2003), o ator, dublador, cantor, compositor e comediante, apesar de não possuir só glórias no currículo – A História Sem Fim 3 (1994), para seu bem, caiu no esquecimento – continua dono de um carisma inigualável. Logo, na frente das câmeras, Black sai ganhando em grande parte das vezes; no ramo técnico e prático do cinema, o artista investe em projetos que o representem. Como sua nova empreitada no papel de produtor, A Felicidade é de Matar (2021), dirigido por BenDavid Grabinski, pode ser a mais recente alegria ou a mais atual infelicidade de uma trajetória pautada em uma comicidade retirada através da simpatia. 

    Janet (Kerry Bishé) e Tom (Joel McHale) formam um casal modelo. Visivelmente apaixonados e atraídos um pelo outro, mesmo após 14 de casamento, os dois, devido também às suas libidos afloradas e suas “escapadas” sexuais em qualquer lugar, são alvos de críticas. Quando seus próprios amigos deliberam seu ódio por seu convívio perfeito, ambos se veem em um relacionamento à parte dos outros. Para corroborar com tal sensação, a visita de um misterioso homem, Mr. Goodman (Stephen Root), revela que a relação dos personagens é vista como um “defeito”; o denominado “agente” oferece uma injeção que faria com que Janet e Tom se transformassem em indivíduos normais, sujeitos às dificuldades inerentes à vida de casados. A partir daí, as consequências de se viver harmoniosa e amorosamente chegam para o casal.

    Synapse Distribution/ Divulgação

    De primeira impressão, o que Tom e Janet vivenciam se assemelha a uma idealização. O ar onírico em que Tom pede desculpa por não ter preparado um omelete para a esposa de manhã, munido de um prato com essa mesma refeição em uma cama arrumada romanticamente, cheia de pétalas de rosa; não condiz com a realidade “marido e mulher” disseminada por aí. Como pessoas independentes uma da outra, Tom é o inverso do homem padrão fruto de uma sociedade educada a ser machista, visto sua proatividade em casa e seu cuidado fraternal com Janet, e a mulher, por sua vez, exibe um protótipo contemporâneo do sexo feminimo, trabalhando fora e não atribuindo as tarefas domésticas como sua responsabilidade interina. Entretanto, embora haja a estranheza de se lidar com cônjuges que a mais de uma década se tratam como namorados, o longa-metragem coloca nisso uma unicidade exagerada e desenvolve a inveja e a aversão dos demais no papel de guia da história. A maleta com as seringas de Mr. Goodman é o reforço do pensamento coletivo acerca de Tom e Janet, porém com um teor irreal demais para implantar uma dúvida até em figuras localizadas dentro de um universo cinematográfico. 

    O intuito de obter a sensação de estranhamento do público se molda à medida que respostas infundadas aos eventos do filme, grotescos por si só, são atribuídas às ações dos protagonistas. O desenrolar que vem delas não deixa esquecer do conteúdo e da forma  trash da obra, no qual ter sentido não é a via principal. Contudo, a descredibilização que se inicia na razão de um assassinato cometido por Janet e Tom – que, de forma racional, não precisava ser realizado – é capaz de gerar duas conclusões: ou a total falta de expectativa realística de A Felicidade é de Matar e a desprentensão causada por esse parecer, ou o desvínculo com a narrativa e sua confiabilidade. De qualquer modo, o caos que se instala no cotidiano do casal não traz a comédia somente pelo repúdio a felicidade dos dois; a demonstração da forma em que se comportam os casais “habituais”, inseridos no contexto de um final de semana na casa dos amigos de Janet e Tom, provoca mais interesse do que a proposta inicial.

    Synapse Distribution/ Divulgação

    Ainda que seja volátil o plano originário do longa-metragem, modificando o intuito do início em um jogo de quem é quem repentinamente, as relações falhas dos personagens juntos na residência atuam como o motivo básico dos risos enquanto carregam a análise de que a felicidade em um relacionamento pode ser contestada. O fator cômico posto nisso, unido com a bizarrice própria da trama, funciona em momentos específicos nos quais o entrosamento dos indivíduos é o centro. Já o objetivo de instigar o espectador a descobrir os verdadeiros e os falsos, por mais que haja a investida de manipular a audiência ao distribuir falas comprometedoras para todos, não possui tanta valia por conta da dispersão do verdadeiro assunto: o crime realizado por Tom e Janet graças ao encontro inesperado com um homem destinado a acabar com a boa e satisfatória vida de ambos. Para remeter ao assassinato, aliás, o filme aplica uma espécie de componentes do gênero de terror, incluindo alguns sustos, aparecimentos súbitos e locais nebulosos, caindo novamente no thrash.

    Ao passo que as problemáticas da obra encobrem um pouco do lado cômico, tais quais a abstração da temática proveniente e o tom mutável, que, por vezes, sobrepõe a tentativa de suspense ao estilo de comédia, mesmo este seja de um modo mais ácido, a direção de Grabinski conduz o filme concisamente até onde ele pretende. A casa, de aparência pouco amistosa e de decoração minimalista, assemelhando a moradia de longas como Dormindo com o Inimigo (1991), e a filmagem que transita entre as câmeras de segurança presentes lá e as câmeras de um reality show, criam uma artificialidade necessária para algo que não se leva a sério no geral. A consciência nos deslizes destas câmeras e no enquadramento focal do que o cineasta desejava esconder ou expor, não deixam a produção de Jack Black e companhia ser desamparada artisticamente, por mais que, em mérito de roteiro, os xingamentos contínuos e sem propósito estejam entre os meios de fazer rir e a desconstrução ou firmamento do casal tenha uma transição tardia.


    A Felicidade é de Matar quer ensinar que a felicidade é de fato de matar, mas apenas os que se nutrem da cobiça e da emulação pelo contentamento alheio. Não há nada de anormal em ter uma vida feliz a dois, mas o longa-metragem força uma história que envolve uma descomedida anormalidade vinda de tal ação e não aproveita seu exotismo – que piora sempre mais – para constituir uma obra que ri de seu próprio preceito. Nas circunstâncias onde Janet e Tom estão nas férias com os amigos em uma residência já suspeita, o filme proporciona vislumbres do humor ácido prometido, e enxerga cada casal – uns menos, outros mais – como possíveis fontes de comédia. Todavia, na hora de encaixar sua trama em um estilo, seja ele no de filmes propositalmente excêntricos ou seja ele em um daqueles que almejam unificar o riso com o nervoso, A Felicidade é de Matar falha. Como reflexão, fornece ao espectador a mensagem de que a alegria que é estar com quem se ama, independentemente dos defeitos do relacionamento, incomoda aqueles sem a mesma sensação. A questão é se o risível está nesse fato ou na história composta pela produção.

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