dom, 22 dezembro 2024

Crítica l Munique: No Limite da Guerra

Publicidade

A Segunda Guerra Mundial, ocorrida entre 1939 e 1945, foi um marco vergonhoso para o mundo. Além da dizimação de cerca de 20 milhões de cidadãos, enfatizando minorias como os perseguidos judeus, o combate tornou-se um fardo que a história é obrigada a carregar. Para corroborar com tal sentimento, o cinema possui o dever de representar este período e extinguir qualquer ideia de revivê-lo – o que resultou em produções tão grandiosas quanto úteis. De dentro da guerra, os espectadores acompanharam o judeu Guido e seu filho em A Vida é Bela (1999) tentando extrair algum tipo de vida de um campo de concentração, assim como assistiram o interior de um campo de batalha na missão para encontrar Ryan, em O Resgate do Soldado Ryan (1999). Entretanto, pouco se fala sobre a origem do confronto. Como foram os bastidores do início de uma sandice letal e inigualável? Quem a permitiu? Em busca de alguns esclarecimentos, Munique: No Limite da Guerra (2021), de Christian Schwochow, aponta os culpados, os inocentes e os rebeldes.

Netflix/ divulgação

À margem da Segunda Guerra, em 1938, o Reino Unido é comandado pelo primeiro-ministro Neville Chamberlain (Jeremy Irons), que procura por um acordo pacífico enquanto Adolf Hitler se prepara para invadir a Tchecoslováquia. Já atentos com o possível estopim de um enfrentamento de proporções mundiais, Hugh Legat (George MacKay), um oficial britânico, e Paul (Jannis Niewöhner), um diplomata alemão, operam juntos em Munique durante uma Conferência que reuniu grandes chefes de Estado, a fim de evitar a guerra e expor a realidade que a Europa conheceria posteriormente às decisões erradas que poderiam ser tomadas naquele momento. Para isso, adentram em uma política envolta por conchavos, mentiras e até covardia. 

Quando se pensa na tirania de Hitler, é comum que a indagação acerca do pertencimento do aval para as monstruosidades do nazista venha à mente. Por mais que as respostas ainda sejam escassas, Munique discursa em cima dos prováveis coniventes e dos potenciais enganados. Pertencente mais ao segundo grupo, Chamberlain assume uma postura assertiva e curiosamente calma (por mais que o destino de nações dependessem dos seus juízos), ao passo que Legat vê de fora no que o mandante está compactuando indiretamente. A saga desenfreada para a comprovação da necessidade de um afastamento do Reino Unido para com a Alemanha, é cercado por teorias de conspirações que, por mais compreensíveis que sejam, se fazem mais simples de serem aceitas se observadas por um viés cuidadoso e exterior ao contexto, dado os passos milimetricamente calculados, tais quais os de um líder como o primeiro-ministro britânico. Logo, todo o enredo, passando pelo conhecimento de Legat, sua tramóia com Paul, e a continuidade do plano de ambos, entre outros acontecimentos, é estabelecido sem dificuldade para o público – e por isso a resolução parece igualmente fácil. 

Publicidade
Netflix/ divulgação

Embora lide com a questão do fanatismo e da alienação, que faz vítimas de alto poderio, o filme peca em desenvolver Hitler não como ser um ser que beira o folclórico, mais temido do que decifrado; na verdade, o ditador é explorado por meio de um olhar que foca no que já é sabido. Sem muitas expressões faciais e blindado por estereotipias, o principal vilão de Munique, apesar de presenciar as cenas mais tensas da obra, como seu comparecimento na Conferência, pouco se expande além do imaginário coletivo. A figura do líder da Alemaha Nazista transforma-se, então, em somente mais uma de suas representações que executam um papel como um indíviduo cruel e sem escrupulos que é deduzido pelo espectador sem maiores esforços. E, ainda que a história da obra seja desconhecida, a espera pelo encontro de Chamberlain com Hitler é uma das forças motrizes que propulsionam sua intensidade, visto a inevitável consequência das atitudes de Paul e Legat na qualidade de agentes a favor da paz e contra a união dos dois políticos.

Contendo subtramas desnecessárias – o vínculo familiar de Legat é convenientemente montado para que parte “humana” do personagem seja aflorada -, Munique poderia poupar certas ocasiões no caminho comprobatório de Legat e Paul a respeito do risco da Alemanha invadir a Tchecoslováquia com carta branca do Reino Unido, e mesmo assim constituir a junção da dupla. Munidos pela impetuosidade da juventude e pela necessidade de justiça, os protagonistas deixam de lado as posições antes opostas para seguirem por um bem comum e universal, tendo Legat, interpretado pelo astro de 1917 (2019), Adam MacKay, como um rapaz empático e racional, disposto na linha de frente da comunicação com Chamberlain, e Paul, feito por Jannis Niewöhner, um alemão que simboliza o lado prático e impulsivo. Dignos de boas interpretações e bons arcos de mantimento de virtude, os jovens aliam-se ao primeiro-ministro como peças chaves da hierarquia do longa-metragem, que tem no veterano Jeremy Irons o responsável por um mandante carismático, por mais que pareça volátil.

A preferência por um roteiro que constrói testes para os personagens constantemente, ao passo que emprega uma energia maior em eventos pontuais (quando Legat dialoga com Chamberlain em situações de convencimento, por exemplo), com uma conservação do sentido de urgência espaçada, fez da escolha do cineasta  Christian Schwochow, cômoda. O tom sóbrio, de cores escuras, vestimentas formais e uma Europa nublada, intensifica uma temática que engloba um fado que pode se tornar global, além de manusear um enredo que conta com indivíduos expressivamente significantes para a historicidade e que, com eles, vêm tópicos como a tolerância e o abuso de poder. Contudo, o filme opta por uma montagem confusa, nos quais planos e sobre planos rápidos enchem a tela para dinamizar algo que facilmente seria traduzido pela própria sequência. Ademais, os cenários suntuosos de gabinetes e palácios confirmam uma estética rica, porém de praxe para esse gênero, que é capaz de ser categorizado como um filme de espionagem mesmo sem se autodenominar desta maneira. 


Munique: No Limite da Guerra desvenda algumas das razões pelas quais um desastre aconteceu. Independentemente do grato intuito de expor um momento quase inexplorado, o trabalho de Schwochow balanceia entre circunstâncias inquietas como o tema, que envolve o start de uma grande guerra, e conjunções mais tranquilas, nas quais as conspirações desfocam do assunto primordial. No entanto, a obra é conduzida por personagens que não necessariamente modificam suas personalidades; em especial Paul, Legat e Chamberlain, os que mais possuem tempo em tela, somente modulam suas vontades e ações conforme as demandas dos ocorridos. Logo, apesar de não ostentar nada de inovador, mesmo com um terreno valioso nas mãos, Munique, através da curiosidade natural em cima de algo tão fascinante quanto nossa memória, auxiliado por intérpretes eficientes, cumpre pelo menos a função de uma utilidade pública ao prestar o favor de informar sobre as condições pré Segunda Guerra Mundial. Uma lição para nunca mais.

Publicidade

Publicidade

Publicidade

Destaque

Crítica | Chico Bento e a Goiabeira Maraviósa

A Turma da Mônica, criada por Maurício de Sousa...

Crítica | Bagagem de Risco

Em Bagagem de Risco, Ethan Kopek (Taron Egerton), um...

Nosferatu | Diretor agradece Bob Esponja por apresentar personagem aos jovens

Em entrevista à Variety, Robert Eggers, diretor da nova...
Laisa Lima
Laisa Limahttp://estacaonerd.com
Uma mistura fictícia de Grace Kelly, Catherine Deneuve e Brigitte Bardot versão subúrbio carioca do século 21.
A Segunda Guerra Mundial, ocorrida entre 1939 e 1945, foi um marco vergonhoso para o mundo. Além da dizimação de cerca de 20 milhões de cidadãos, enfatizando minorias como os perseguidos judeus, o combate tornou-se um fardo que a história é obrigada a carregar....Crítica l Munique: No Limite da Guerra