dom, 22 dezembro 2024

Crítica | Sempre em Frente

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Comumente, a inversão de papéis entre crianças e adultos acontece. Seja pelo olhar inocente ou pelas respostas na ponta da língua, é possível entender que, na infância, a maturidade está além da idade. Fora isso, a dependência de ambas as fases da vida revela-se na necessidade complementar das mesmas; em Uma Lição de Amor (2001),  Dakota Fanning ensina para Sean Penn a amplitude do amor. Existe maior prova de sensatez do que essa? Dentre outros exemplos, Sempre em Frente (2021), de Mike Mills, é o atual longa-metragem que representa uma jornada demonstrativa da influência que uma jovem mente impõe sobre um espírito já cansado.

O jornalista Johnny (Joaquin Phoenix), que viaja os Estados Unidos entrevistando crianças e abordando assuntos como preconceito, modernidade e imigração, se acostumou com a solidão consequente de um nômade. Entretanto, quando sua irmã Viv (Gaby Hoffmann) precisa ir a outro estado para cuidar do marido com problemas psiquiátricos, Jesse (Woody Norman), sobrinho de Johnny, fica sob seus cuidados. Sem senso familiar devido a distância que mantém dos parentes, o personagem de Phoenix calculará a rota para lidar com Jesse, que, por sua vez, desperta um sentimento inesperado no homem. 

Diamond Films/ Divulgação

Ao rodar o país em busca de conclusões condizentes com os pensamentos infantis, Johnny coleta verdades que poucos indivíduos que ultrapassaram a maioridade conseguiriam proferir. Por conta da visão pueril e livre de discriminação, os pequenos são capazes de causar uma reflexão não apenas dos eventos de Johnny no momento, mas também em volta de questões impregnadas por pré-concepções que o decorrer da existência constitui. O mundo moderno, por exemplo, é observado por eles como um motivador para a distância e individualidade tóxica dos seres humanos, enquanto dizem que não querem esse universo para si e para os outros. Logo, destes depoimentos saem grandes contemplações acerca da realidade, corroborando com o tom poético da obra e sua mensagem igualmente sensível.

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Ao som de música clássica na maioria das sequências, Sempre em Frente valoriza as relações interpessoais, focando na construção do envolvimento emocional de Johnny com Jesse em passinhos de formiga. E, fruto disso está o instinto quase paterno que brota em Johnny, que reluta em crer na possibilidade de se comprometer com alguém fora de seu ofício. Contudo, ao detalhar os passos do jornalista e seu sobrinho em busca dessa mesma conexão, a naturalidade e a espontaneidade surgem em um projeto especialmente natural e espontâneo. Ao exibir minuciosos momentos juntos, desde a hora de dormir de Jesse até suas manifestações de saudade da mãe, os dois formam uma anexação diegética; ao passo que os personagens se vinculam, o espectador adere à história de forma mais particular. Além disso, os expositivos flashbacks (totalmente repentinos), que contam a história de Johnny, Viv e a mãe, fazem compreender a seriedade dos motivos do afastamento dos irmãos, incorporando ainda mais o sentimentalismo do público.

Vencedor do Oscar por Coringa (2019), Joaquin Phoenix é um camaleão no campo artístico. Grande parte da razão da audiência acrescentar o elemento “pessoalidade” na trama está na atuação verossímil do ator; em toda sua frieza e, às vezes, regelo, ainda assim é plausível a impressão de que estamos diante de um homem frágil e carente. Não menos importante, seu par em cena agrega uma inteligência e uma pureza essencial para um filme que discute também a estrutura do raciocínio infantil: o Jesse de Woody Norman não simboliza somente uma criança. A esperteza do garoto juntamente com sua tentativa involuntária de extração de algum sentimento fraterno de Johnny é bonito de se ver e difícil de se encenar com tanta veracidade.

Diamond Films/ Divulgação

O preto e branco do cineasta Mike Mills, que dirigiu obras como Mulheres do Século 20 (2017), é um recurso cuja falta de recurso imagético dialoga com o tortuoso caminho de Johnny na função de um ser humano mais vivaz. E, apesar de rondar o crescimento da relação do jornalista com seu sobrinho um pouco mais do que deveria, produzindo um ritmo de maior lentidão, e possuindo cenas que seriam encurtadas se olhado pelo parâmetro de utilidade na narrativa ou não, o longa-metragem, sem intuito aparente, conta com elementos que auxiliam em sua verdade. Os cortes secos e a falta de movimentação, como câmera na mão, balanços e zoom, são propostos para que o “romantismo” da história fale por ele mesmo. O foco em cenários, expostos em planos abertos apenas em carecimentos contextuais, admira cada local que Jesse e Johnny se dirigem, porém de forma contida.

Sempre em Frente definitivamente não é um filme cheio de reviravoltas e acontecimentos mirabolantes. Na verdade, é o contrário; o longa-metragem preza pelo mínimo e pela simplicidade, já que nesses artifícios está uma maneira tocante de se contar um relato que parte da frigidez de um homem demasiadamente introvertido para um choque causado pela presença de um ser que requer carinho. Não obstante, Jesse e Johnny têm o privilégio de serem interpretados por artistas que se doaram para a produção, resultando em um acoplamento árduo de ser desmentido. Portanto, a obra se vê na posição de um desabafo inserido na dicotomia da realidade, dado as concepções verdadeiras e sinceras das crianças interrogadas, e as concepções cheias de pesares dos adultos. Porém, Sempre em Frente não faz o estilo melancólico. A ponderação, aliás, só ocorre se o espectador se desmanchar pelo otimismo acerca do futuro que será gerado por uma antes infância coerente, empática e ajuizada.

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