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    Crítica | Lobisomem

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    Em um excelente artigo publicado na The New Yorker, Parul Sehgal explora o que ela denomina como uma “trama de trauma”, ou seja, aquelas narrativas que se concentram nos eventos traumáticos que moldam e definem os personagens, destacando de maneira incisiva que “o trauma passou a ser aceito como uma identidade totalizante.” Em outras palavras, a ideia central é que a experiência traumática de um personagem acaba por ser a chave para entender sua totalidade: se ele é cruel, é por causa de um trauma; se ele é introvertido, é porque sofreu algum tipo de abuso ou dor. Essa redução do personagem a um único aspecto, uma explicação redutora, reflete uma tendência crescente nas narrativas contemporâneas. De maneira geral, os filmes de terror são os que mais exemplificam essa abordagem, muitas vezes utilizando o trauma como ponto de partida para a personificação de monstros ou transformações. No entanto, esse tipo de abordagem não deve ser interpretado como um erro ou uma falha intrínseca do gênero. Quando bem executada, a conexão entre trauma e monstruosidade pode ser interessante. O problema surge quando a trama se baseia exclusivamente nesse recurso e, em alguns casos, de maneira superficial.

    Lobisomem, novo filme de Leigh Whannell, é mais uma adição a esse cânone traumaticamente extenso. Depois da incursão do diretor no mundo de monstros da Universal com O Homem Invisível, esse próximo filme contava com pelo menos uma expectativa: uma abordagem contemporânea do personagem eternizado por Lon Chaney Jr. em The Wolf Man (1941), de George Waggner. Assim como ele fez no filme protagonizado por Elizabeth Moss, o Whannell demonstrou habilidade em construir um filme cujo suspense é efetivo pelo que não se vê dentro da própria imagem, além de trabalhar de forma mais interessante com o trauma que imobilizava a protagonista.

    Em Lobisomem, o diretor e roteirista Leigh Whannell constrói sua mitologia em torno da figura do lobisomem, a partir da complexa relação entre um pai severo e seu filho, Blake (interpretado na fase adulta por Christopher Abbott). Se no clássico de Waggner a narrativa se concentrava na dualidade intrínseca ao ser humano — entre cordialidade e violência, e como essa luta interna cria um dos monstros mais tocantes da história do cinema — aqui a trama se orienta, de forma mais explícita, pela dinâmica geracional no contexto familiar. Trinta anos após o misterioso desaparecimento de seu pai na floresta, dado como morto, Blake retorna ao lar de sua infância, agora acompanhado de sua filha Ginger (Matilda Firth) e sua esposa Charlotte (Julia Garner), para organizar os pertences da casa. Ao chegar, o protagonista é atacado por uma entidade que parece simultaneamente humana e animal, o que, como era de se esperar, desencadeia sua transformação na figura do lobisomem.

    Com um centro emocional fortalecido pela atuação de Abbott e Garner, Lobisomem acaba por carecer de uma construção mais sólida de suspense e de uma exploração de como o trauma se articula dentro da narrativa – ele não é meramente um símbolo identitário. Embora a premissa seja intrigante, ela se dispersa ao longo de breves momentos que funcionam visualmente — como a figura sombria de Blake em plena transformação, o primeiro vislumbre de seu lado animalesco diante de Charlotte e a armadilha no celeiro — enquanto o filme falha em abraçar por completo sua natureza monstruosa. A tentativa de conferir uma substancial narrativa à transformação do personagem, embora não haja problema em utilizar metáforas, peca pela forma como essas ideias são introduzidas, o que faz o filme manter-se em uma temperatura emocional baixa, sem ferocidade, tanto na narrativa quanto na imagem. Quando comparado ao trabalho anterior do cineasta, Lobisomem parece ainda mais diminuto. Ao final, ao lidar com uma figura monstruosa repleta de potencial narrativo, o filme se encerra com um uivo abafado, tímido e desprovido de qualquer sensação de ameaça.

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