qui, 18 setembro 2025

Crítica | Luta de Classes

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Luta de Classes é o novo filme dirigido por Spike Lee (Faça a Coisa Certa) que estreou, com uma recepção morna, fora de competição no festival de Cannes, no começo desse ano. O longa é uma reimaginação moderna dos acontecimentos do filme Céu e Inferno de Akira Kurosawa. Nessa nova versão, o artesão de sapatos é substituído por um magnata da indústria musical, conhecido por ter os melhores ouvidos para descobrir novos talentos. Essa trocar permite que Lee explore temas atuais como as dificuldades enfrentadas por artistas para conseguir um hit na era da internet e como a inteligência artificial ameaça a integridade da arte, “criando” obras sem alma.  

A partir dessa nova roupagem, Lee se aproveita dos espaços urbanos para imprimir sua característica assinatura ao projeto, se aproveitando do cenário de Nova York e sua cultura esportiva e artística, inclusive na melhor cena do filme que se passa em um metrô lotado de torcedores fanáticos que proferem xingamentos ao time rival, durante um momento crucial da vida do protagonista.  

A música vira quase um personagem dentro da narrativa, tamanha é sua importância. A trilha sonora (tanto no sentido de soundtrack quanto no sentido de score) toma conta do filme – podendo soar excessiva para alguns – a todo momento, com uma seleção musical escolhida a dedo não só para dar o tom a obra, como também situar aquele personagem nesse cenário nova yorkino contemporâneo. King vive pela música, foi graças a música que ele construiu seu império e conquistou o respeito de uma sociedade que tende a menosprezar homens negros. Nesse sentido é natural que ela esteja tão presente no filme, quanto na vida de seu protagonista.

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Assim como a música, a casa, ou melhor dizendo, a mansão na cobertura é também parte integrante da trama. Do alto de sua imponência, todo restante da cidade parece insignificante, simbolizando de forma bastante clara toda intenção do filme. Não só ela serve como representação direta das conquistas de King e do espaço que ele ocupa – o topo – casando diretamente com o nome em inglês da obra (Highest 2 Lowest – que poderia ser livremente traduzido como Mais Alto Para o Mais Baixo), como ainda serve de cenário principal para as tomadas das decisões mais importantes que permeiam a história.

É dentro dessa casa cheia de cômodos que acompanharemos o protagonista escolher entre abrir mão da fortuna que conquistou arduamente para salvar o filho de seu motorista, equivocadamente sequestrado após ser confundido com o seu próprio filho, ou se manterá o dinheiro apostando com a vida do rapaz, quem ele diz considerar como parte da família.

Ainda que o suspense em torno da decisão não seja assim tão eficaz, a forma como o filme lida com a visão de King é esperta. Se para nós a decisão parece óbvia – dinheiro nenhum vale uma vida – as coisas não são assim tão claras para ele, que de fato será afetado pelo valor dispendido no resgate. A própria escolha de mostrar várias ações sendo vistas em dois ou três ângulos diferentes, alude a essa ideia de que King está sempre vendo o mundo a partir de várias óticas – inclusive antes do sequestro.

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A fotografia de Matthew Libatique (Cisne Negro) trabalha eficientemente na criação de profundidade de campo, posicionando King, muitas vezes, atrás de plantas, quadros e objetos, colocando o público na posição de observador – como quem espia aquele momento tão conturbado de sua vida privada – e se aproveitando para evidenciar a imensidão do local, cheio de objetos que são reflexos da história e personalidade daquele homem. Os espelhos e vidros espalhados por todos os cantos são outros elementos que realçam a nobreza do local, ao mesmo tempo que transmitem essa sensação de que o protagonista está sendo forçado a olhar para si mesmo, enquanto nós o olhamos.

Comparações com o filme de Kurosawa acabam sendo inevitáveis, felizmente Lee consegue conservar o cerne da história, equilibrando-o com novas decisões criativas que, por vezes, funcionam e, outras vezes, não. Ao menos é interessante perceber que o autor não se limitou a refazer o filme em língua inglesa, pelo contrário, demonstrou uma preocupação em adequar sua obra à realidade na qual ela se insere para fazer comentários sobre classe e lutas raciais.

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Raíssa Sanches
Raíssa Sancheshttp://estacaonerd.com
Formada em direito e apaixonada por cinema
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