O fato de o filme apresentar uma sucessão de eventos profundamente melancólicos não deve surpreender quem conhece a filmografia de Adam Elliot — desde Mary e Max – Uma Amizade Diferente (2009) até seu curta-metragem vencedor do Oscar, Harvie Krumpet (2003).
O longa se inicia com Grace Pudel testemunhando os últimos momentos de sua amiga idosa, Pinky. Enquanto espalha suas cinzas no jardim, Grace narra sua vida em um sussurro tímido para Sylvia — seu caracol de estimação — expondo cada detalhe de sua trajetória marcada pela perda.
Desde o nascimento, Grace carrega o peso de tragédias: sua mãe faleceu no parto e seu pai, alcoólatra, ficou paraplégico após um acidente de trânsito. Gilbert, seu irmão gêmeo, é seu único porto seguro — um piromaníaco em formação, mas um protetor fiel contra os valentões da escola. Contudo, essa relação também é interrompida brutalmente quando os irmãos são separados e enviados para lares adotivos distintos após a morte do pai.
A atmosfera do filme sugere uma inevitabilidade sombria, na qual cada acontecimento, até mesmo sua coleção obsessiva de caracóis ornamentais, parece destinado a reforçar seu isolamento.
Apesar disso, Elliot nunca permite que sua obra mergulhe completamente no desespero. Grace se define como alguém que enxerga o copo meio cheio, e sua narração lucidamente objetiva mantém um tom que, por vezes, soa descontraído. Em meio a tanta angústia, os pequenos momentos de triunfo e perseverança tornam-se revelações.
Ao longo da trama, Grace raramente se entrega à tristeza prolongada. Como os caracóis, ela só avança — uma característica refletida até mesmo em sua estética, já que raramente é vista sem um chapéu artesanal que imita os pedúnculos oculares do animal.
O universo de argila criado por Elliot e sua equipe é essencial para evocar a miséria excêntrica do filme, apostando em um estilo fortemente estilizado, com arquitetura claustrofóbica e personagens de proporções achatadas. Além disso, há uma presença frequente de irreverência e profanação, desde gestos obscenos até nudez explícita.
Mesmo quando Grace se perde em romances obscenos, Elliot evita os atalhos visuais tradicionais da animação e mantém sua heroína ancorada na realidade, enfatizando os detalhes do ambiente que a cerca. Quanto mais o espectador absorve as texturas desse mundo, como o papel de parede de jornal e o abajur de retalhos do apartamento onde ela e Gilbert cresceram, mais envolvente se torna sua singularidade.
Grace constrói uma espécie de concha metafórica com seu quarto repleto de recordações de caracóis permitindo-se um refúgio dentro do mundo, sem abandoná-lo completamente.
Identifiquei duas fragilidades no filme, sendo a primeira a rigidez estrutural da narrativa. As emoções transmitidas pela história — sejam os momentos mais passivos e trágicos de Grace ou suas pequenas conquistas — parecem receber o mesmo peso, o que dilui o impacto emocional.
Além disso, suas excentricidades são frequentemente apresentadas como obstáculos para uma vida plena, mas apenas porque o roteiro impõe essa ideia, em vez de permitir que o espectador chegue a essa conclusão por conta própria. Essa abordagem confere uma sutileza desajeitada ao que poderia ser um primor de narrativa visual.
No entanto, apesar dessas pequenas falhas, Memórias de Um Caracol, é uma obra bem construída, atingindo seu ápice na meia hora final, onde emociona especialmente aqueles que vivenciaram momentos marcantes em suas trajetórias.