sáb, 27 abril 2024

Crítica | Mona Lisa and the Blood Moon

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Ana Lily Amirpour é um nome conhecido pelos fãs mais assíduos de terror por ter sido responsável pelo filme de 2014, “A Girl Walks Home Alone at Night”,que apesar de ter menos de dez anos já possui o status – merecido – de cult.

O novo projeto da cineasta, que pode ser conferido no Amazon Prime Video, apresenta algumas semelhanças temáticas com seu filme anterior: é um terror sobre uma jovem adulta com poderes especiais e algumas condutas moralmente questionáveis. No entanto, as semelhanças param por aí, a estética adotada é completamente diferente, a diretora troca a fotografia preto e branca com requintes de expressionismo alemão por uma extremamente colorida, recheada de tons neons e ares contemporâneos. Ainda que seja possível reconhecer sua assinatura, é louvável que Amirpour tenha reinventado seu estilo, sem medo de experimentar coisas novas e sem perder sua essência. Mas, mais do que isso, é elogiável que ao fazer isso tenha conseguido manter sua qualidade, provando ser uma realizadora versátil capaz de transitar por diferentes abordagens.

A protagonista, Mona Lisa Lee, é uma mistura de Carrie White com Eleven de Stranger Things, ela possui habilidades psíquicas que nem sempre usa por motivos tão nobres, estando disposta a ferir aqueles que entram no seu caminho – independentemente de serem pessoas “boas” ou “ruins”. Até porque o filme, assim como sua personagem título, não está preso a conceitos engessados de bem ou mal. Mona Lisa é uma garota que sofreu abusos sistêmicos em uma unidade hospitalar psiquiátrica e quando finalmente se vê livre, está disposta a continuar em liberdade e fará tudo que esteja ao seu alcance para não voltar ao cárcere.  Suas motivações não podem e não devem ser consideradas a partir de uma ótica dualista, elas são apenas o reflexo de um ser humano complexo fazendo aquilo que pode para sobreviver e se encaixar num mundo que não compreende totalmente. 

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Sua régua moral desajustada, seu desconhecimento sobre comportamentos humanos básicos e seu vocabulário precário, consequências de ter passado tantos anos institucionalizada, trazem um ar de comicidade para o filme, que não chega necessariamente a ser um terrir, mas conta com momentos “engraçadinhos”.

O filme apresenta três enredos paralelos: o do policial, o da stripper com seu filho e o do “traficante”, todos são bem trabalhos e casam harmonicamente entre si. Não há quebra na cadência de eventos, ou seja, para uma história avançar, a outra não precisa ser colocada em pausa, as coisas caminham lado a lado, de forma orgânica. O elenco de apoio está afiadíssimo, sem exceções, todos os personagens fazem valer seus minutos de tela, com destaque especial para Kate Hudson. Todavia, há que se pontuar que o drama familiar envolvendo mãe e filho não surte o efeito esperado e poderia ter sido dispensado, sendo o elo mais fraco do longa. 

Em geral, o ritmo da trama flui com naturalidade, a montagem rápida e estilizada não é usada gratuitamente só para deixar o filme com cara de moderno e descolado, pelo contrário, cumpre seu propósito narrativo de comunicar o misto de urgência e estranhamento experienciado pela protagonista, além de servir para ilustrar a vida caótica na cidade de New Orleans, retratada como uma verdadeira selva de pessoas aos olhos de Mona Lisa.

Essa combinação de edição dinâmica com protagonista fora dos eixos é complementada por uma trilha sonora animada e carregada de sintetizadores, fazendo com que o resultado final se assemelhe, em alguns momentos, com uma versão de terror de Birds of Prey. Existem até algumas cenas nas quais a garota age como uma verdadeira super-heroína, ou pelo menos, a sua versão do que seria uma super-heroína.

A diretora, inegavelmente tem talento para criar espetáculos visuais, demonstra domínio técnico e habilidade suficiente para deixar seu filme com um aspecto jovial, sem que ele pareça um tik tok mal editado.

Dito isso, o maior trunfo do filme, acima de qualquer outra coisa, é o fato dele se bastar por ser aquilo que é. Explico, não há uma preocupação em abordar temas profundos, lidar com traumas do passado ou palestrar sobre uma questão de relevância social. É um terror que se aceita como tal, sem precisar se revestir de algo a mais para provar seu valor. Não que obras de gênero não possam ser as duas coisas, mas em uma era na qual, cada vez mais, tudo precisa ser justificado pela “temática” ou pela “mensagem importante” para ganhar status de “arte elevada” – um termo pavoroso em todas as suas variações “comédia elevada” “terror elevado” etc. – é refrescante se deparar com um projeto que se assume, primordialmente, como um terror fantasioso.

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Outro estereotipo da atualidade – que sempre existiu, mas tem se intensificado sobremaneira – driblado pela autora é a expositividade excessiva que desafia a inteligência do público e não deixa qualquer margem para imaginação. Por que Mona Lisa tem poderes? De onde eles surgiram? É genética? Vêm da Lua? Um diretor menos preparado se sentiria tentado a responder todas essas perguntas por meio de um diálogo cansativo ou através de um livro que contém todas as explicações. Mas Ana Lily não é essa diretora e por confiar na história que está contando, não perde tempo entregando explicitamente nenhuma resposta pronta. Cabe a você espectador exercitar sua mente e preencher as lacunas – que, salienta-se, não são furos de roteiro, já que estamos assistindo a um universo mágico onde as leis da realidade não se aplicam.

O projeto não é isento de defeitos e, dificilmente, terá o mesmo impacto cultural que A Girl Walks Alone At Night, não obstante, trata-se de um filme sólido, em que os pontos positivos ofuscam as irregularidades. Como uma adição de catálogo direto para streaming o longa está bastante acima da média e oferece uma boa opção de divertimento de qualidade para os fãs de terror.

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Raíssa Sanches
Raíssa Sancheshttp://estacaonerd.com
Formada em direito e apaixonada por cinema
Ana Lily Amirpour é um nome conhecido pelos fãs mais assíduos de terror por ter sido responsável pelo filme de 2014, “A Girl Walks Home Alone at Night”,que apesar de ter menos de dez anos já possui o status – merecido – de cult. O novo...Crítica | Mona Lisa and the Blood Moon