Três temporadas depois de transformar assassinos em trending topics, Ryan Murphy volta com Monstro: A História de Ed Gein. E a pergunta é inevitável: até onde vai a obsessão por transformar o horror em entretenimento de prestígio?
Dessa vez, o foco está em Ed Gein (Charlie Hunnam), o fazendeiro de Wisconsin que inspirou Psicose, O Massacre da Serra Elétrica e O Silêncio dos Inocentes. Só isso já renderia um ótimo estudo sobre como Hollywood fabrica monstros. Mas Murphy, fiel ao seu estilo, prefere o espetáculo. Entre o realismo mórbido das cenas de mutilação e as reconstituições polidas dos crimes, a série parece mais interessada em provocar o estômago do público do que a consciência.
O curioso é que Monstro já provou saber fazer diferente. The People v. O.J. Simpson discutia a cultura midiática; Versace explorava a fama e o vazio; Impeachment analisava o sexismo da política americana. Aqui, tudo se dissolve em sangue e fetiche. A História de Ed Gein é visualmente impecável — planos milimetricamente compostos, ritmo de thriller noir e um Charlie Hunnam hipnotizante como o homem que nunca soube existir fora da sombra da mãe. Ainda assim, é uma série sem alma.
Laurie Metcalf brilha como Augusta Gein, uma mulher profundamente religiosa, rígida e perturbadoramente devotada ao filho. Só que, passada a primeira hora, sua presença evapora, e a narrativa gira em torno das atrocidades do homem que ela moldou. A partir daí, tudo se torna refém da própria estética: cada cena de horror é filmada com tanto deleite visual que o desconforto se mistura ao prazer voyeurístico.

O problema é que muito do que Monstro mostra sobre Ed Gein simplesmente não é verdade. Murphy mistura fatos, rumores e invenções com a liberdade de quem edita um tabloide. Há cenas baseadas em fofocas antigas, outras criadas apenas “porque sim”. O resultado é uma ficção travestida de biografia — o que seria menos grave se o público não fosse levado a acreditar que está vendo “a história real”.
Vale lembrar que Ed Gein nem é classificado como serial killer pelo FBI. Ele matou duas pessoas, número abaixo do que a própria definição exige para esse tipo de crime. Além disso, foi diagnosticado como mentalmente doente e declarado legalmente insano, o que muda completamente a natureza de suas ações. Mas, na série, esses elementos viram apenas atalhos de roteiro, usados para justificar o horror e conectar Gein aos filmes que ele inspirou.
É o tipo de licença poética que parece engenhosa até a gente perceber o que está sendo feito: transformar doença mental em ferramenta narrativa. Monstro quer criticar a glamurização do mal, mas acaba escorregando exatamente nela.
O episódio “Ação de Graças”, que mostra a descoberta do último crime de Gein pelos policiais locais, é um raro acerto. Por instantes, a série se afasta da cabeça do assassino e devolve humanidade a quem o cercava. Ali, Monstro lembra o que poderia ter sido: uma história sobre trauma e perda, não sobre fetiche e crueldade.
Mas a lucidez dura pouco. Logo voltamos aos closes de corpos, às frases repetidas sobre “pecado” e “redenção”, e a um Alfred Hitchcock (Tom Hollander, numa atuação quase tão ruim quanto as próteses que o engolem) que beira o ridículo. É quando o horror dá lugar ao pastiche.
O maior problema de Monstro: A História de Ed Gein não é o excesso de violência, mas a falta de responsabilidade. Entre a ficção e a realidade, Murphy escolhe sempre o caminho mais vistoso. O que poderia ser um estudo sobre loucura e trauma acaba virando um desfile de corpos estilizados, sem alma nem propósito.No fim, Monstro confirma o que Ryan Murphy vem nos dizendo há anos, mesmo sem perceber: o verdadeiro fascínio não está no assassino, mas em quem não consegue parar de olhar — e, infelizmente, ele é o primeiro dessa fila.