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Início Críticas Crítica | O assassino do calendário

    Crítica | O assassino do calendário

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    O cinema sempre foi um reflexo das inquietações sociais, culturais e ideológicas de seu tempo. Filmes são concebidos por pessoas que pensam, sentem e experimentam o mundo, e, por isso, há décadas a sétima arte aborda questões como machismo, violência doméstica e abuso sexual, seja no drama, no terror ou em outros gêneros. No entanto, nos últimos anos, especialmente com a ascensão avassaladora das redes sociais, percebo uma crescente recorrência desses temas no cinema, muitas vezes esvaziando seu impacto. O que antes era uma abordagem densa e crítica tem, em muitos casos, se diluído em narrativas que mais reproduzem discursos prontos do que os aprofundam, transformando pautas importantes em meros elementos de uma tendência passageira.

    O Assassino do Calendário, dirigido pelo Adolfo Kolmerer e baseado no livro homônimo, narra a história de Klara, uma mulher que recebe uma ameaça assustadora de um assassino, confrontando-a com uma escolha impossível: matar seu marido ou ser assassinada. O filme tem uma ideia bastante clara sobre os temas que deseja abordar, algo cada vez mais comum no cinema contemporâneo. No entanto, Kolmerer parece mais preocupado em “gritar” a relevância da discussão do que em explorar visualmente suas implicações. A decupagem, em vez de potencializar a força do tema, acaba por esvaziá-lo, tornando-o mais uma declaração do que uma experiência cinematográfica. Ainda assim, há momentos visualmente intrigantes, onde a mise-en-scène sugere um potencial que o filme, infelizmente, nunca alcança por completo.

    Eu ate gosto da forma como Kolmerer explora criativamente a mente da protagonista, que sofre de estresse pós-traumático e transtorno dissociativo. O diretor brinca com a a sanidade da protagonista imageticamente, distorcendo-a e experimentando sua forma, o que resulta em alguns momentos visuais interessantes. Além disso, o filme também adota uma frontalidade bastante marcante, mas a sensação é de que essa frontalidade está direcionada para o “lugar errado”. Em vez de aprofundar o debate que propõe, ele acaba potencializando a violência de maneira quase fetichista, mais interessado na brutalidade da imagem do que na própria complexidade do tema. Assistir a O Assassino do Calendário é uma experiência estranhamente vazia. Por mais que o diretor se esforce para dar peso ao material, o resultado é um filme que parece desprovido de alma, repleto de lacunas que jamais são preenchidas.

    É como se Kolmerer estivesse preso apenas à superfície do discurso, concentrado no texto da imagem, no roteiro, na verbalização de suas ideias, mas esquecendo que o cinema, antes de tudo, é imagem. Há uma dissonância evidente entre a importância que ele atribui ao tema e a maneira como o traduz visualmente. O diretor verbaliza sua mensagem ao longo de todo o filme, mas sua mise-en-scène não a sustenta, não a expande nem a ressignifica. O resultado é um cinema que se pretende contundente, mas que, paradoxalmente, esvazia sua própria força ao relegar a construção imagética a um papel secundário. 

    Tenho sentido isso com frequência na indústria cultural: a cada ano, uma avalanche de filmes aborda temas instigantes, mas de forma tão descuidada que acabam caindo em um vazio formal. No vídeo do professor Philippe Leão, ele discute como muitos filmes contemporâneos negligenciam a construção imagética, em parte devido à onipresença da imagem digital. No passado, com a câmera analógica, a captura de uma imagem exigia planejamento e reflexão, pois o processo de revelação era trabalhoso e demorado. Cada foto precisava ser pensada antes de ser registrada. Hoje, a facilidade digital permite capturar dezenas de imagens de um mesmo instante, diluindo a necessidade de um olhar mais atento e cuidadoso. É exatamente essa sensação que O Assassino do Calendário me provoca. O filme tem um discurso textual interessante, mas visualmente é raso, como se o próprio diretor não refletisse sobre o que está registrando.

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    ANÁLISE GERAL
    NOTA
    Entre viagens pelas galáxias com um mochileiro, aventuras nas vilas da Terra Média e meditações em busca da Força, encontrei minha verdadeira paixão: a arte. Sou um apaixonado por escrever, sempre pronto para compartilhar minhas opiniões sobre filmes e músicas. Minha devoção? O cinema de gênero e o rock/heavy metal, onde me perco e me reencontro a cada nova obra. Aqui, busco ir além da análise, celebrando o impacto que essas expressões têm na nossa percepção e nas nossas emoções. E-mail para contato: caiquehgondim@gmail.com
    critica-o-assassino-do-calendario O cinema sempre foi um reflexo das inquietações sociais, culturais e ideológicas de seu tempo. Filmes são concebidos por pessoas que pensam, sentem e experimentam o mundo, e, por isso, há décadas a sétima arte aborda questões como machismo, violência doméstica e abuso...
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