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    Crítica | O Conde

    Em alogoria do autoritarismo, ironia é enfraquecida por narrativa que não consegue se estabelecer

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    Na sátira sombria dirigida por Pablo Larraín, O Conde (El Conde), Augusto Pinochet, ex-ditador do Chile, é um vampiro devorador de corações e está pronto para morrer, mas os abutres que o rodeiam ainda esperam uma última mordida.

    Reimaginar figuras polêmicas, que fizeram sua história dizimando outras e marcando, para sempre, negativamente uma nação, em obras cinematográicas satíricas não é novidade. De O Grande Ditador, de Charles Chaplin, a Terra em Transe (Glauber Rocha), O Ditador (Sacha Baron Coen) e Jojo Rabitt (Taika Waititi), o cinema sempre projetou produções afiadas que esbanjavam críticas e reimaginações fantasiosas de tiranos e sistemas políticos, sempre cabendo espaço para mais filmes com essa mesma intenção. Pretencioso desde o título que estampa a bela arte que anuncia o longa-metragem na plataforma Netlix, O Conde tenta parecer uma sátira convencional, apostando em um infeliz e quase inexistente humor ácido que não funciona, acenando, por outro lado, para o alternativo, sendo uma produção mais voltada para um drama familiar de gosto duvidoso.

    Decidido em ser polêmico, além de puxar para uma estranheza peculiar que pode parecer desconfortável para quem não está acostumado com as narrativas satíricas, O Conde apresenta um argumento raso, que deixa de ser interessante por colocar uma figura tão maléfica como Augusto Pinochet como uma criatura tão horrenda quanto sua figura verdadeira já foi, mas, longe de ser inventivo. Investindo em discussões e situações que beiram o absurdo, sem hesitar em planejar criticar duramente (com total razão) atos antidemocráticos, herdeiros de militares e, até mesmo, a ausência de arrependimento e a cobiça desenfreada pelo poder, mesmo após uma queda. As louváveis, porém perigosas se não corretamente desenvolvidas, ideias para o longa são colocadas no papel por Guillermo Calderón e Pablo Larraín, resultando numa narrativa desordenada, que, tal como foi anteriormente mencionado, não sabe se deve se portar como uma sátira com humor ácido, um drama ou um filme de terror, reunindo o que haveria de melhor desses 3 mundos e entregando um resultado confuso, cujo as intenções passam a ser questionadas entre o término do segundo ato até seu inusitado desfecho.

    É incômoda a inclusão de metáforas diversas sem um tratamento minucioso destas ou, até mesmo, sentido para elas estarem no longa. O mau desenvolvimento de boas ideias ainda é complementado por uma drástica mudança de comportamento e objetivos de uma das personagens principais, a freira exorcista Carmencita, interpretada pela bela e expressiva Paula Luchsinger, que ao menos faz o terceiro ato do filme acelerar sem grandes delongas, até o acontecimento da reviravolta, que de fato surpreende a quem assiste ao filme de maneira despreocupada, mas corrobora a deficiência de um roteiro que se sustenta por polêmicas simplesmente expostas, porém não trabalhadas. Tal plot Twist envolve a até então narradora de O Conde, interpretada por Stella Gonet, que se revela como outra famosa e questionável figura política estrangeira, cujo a identidade não será revelada para não tirar o prazer (ou seria desprazer?) do público de descobrir tal revelação que a produção realmente acreditou que seria algo “bombástico”. Mais uma vez, a ideia final foi interessante, porém pifiamente executada. Romantizado em momentos inoportunos, o roteiro problemático, às vezes não sabe se ele próprio é uma crítica, uma sátira, uma reconstrução de fatos ou uma mera fantasia amarga.

    Jaime Vadell como Pinochet. Imagem: Netflix/Reprodução

    A inegável habilidade de Pablo Larraín em conduzir cinebiografia apostando em uma visão mais pessoal da figura histórica central, como fez em Jackie (2016) e Spencer (2021), é parcialmente notável em O Conde, já que a questão pessoal é misturada com a ficção, assim como sua vontade de contar a história de seu país de origem, tal como o realizador entregou no premiado No (2012). Porém, mesmo procurando prezar pelos seus princípios, Larraín adquire uma liberdade ao misturar a história do Chile com a Revolução Francesa, transformando Pinochet em um vampiro francês que guarda a cabeça de Maria Antonieta e se baseia nos princípios da monarquia do país europeu para poder formar seu império. Aliás, o conceito mitológico da besta noturna que bebe o sangue de inocentes para se sustentar, é moderadamente alterado para se adaptar a obra, mas ainda conta com seus charmes tradicionais, como as caçadas noturnas por sangue novo, a questão da estaca de madeira, poder transformar outros indivíduos em vampiros através de uma única mordida, entre outros.

    Pablo Larraín também escorrega na direção do elenco, promissor, porém pouco aproveitado. No núcleo dos filhos de Pinochet, ou os abutres que cercam a carcaça do ditador prestes a sucumbir, pouco é aproveitado, a não ser momentos em que o diálogo, construído com falas absurdas de soberba e poder, prevaslesce. Apesar de momentos que mais parecem automáticos, ou até mesmo descansados, o elenco principal consegue se sobressair. Jaime Vadell entrega um Pinochet vampiresco que foge do caricato, o que é um ponto positivo, portanto toda a maléfica energia do ditador. Gloria Münchmeyer e Alfredo Castro interpretam Lucia e Fyodor, esposa e mordomo/servo do vampiro, respectivamente, ostentando bons momentos.

    Um ponto altamente positivo de O Conde é sua estética, apresentando uma bela direção de arte e uma exuberante fotografia em preto e branco, com detalhes de luz e sombras que fazem filmes de terror da atualidade sentirem inveja. Planos abertos em sequencias de vôo bem filmadas e devidamente montadas se destacam na produção, assim como a estridente trilha sonora de violinos, que compõem perfeitamente momentos de tensão e violência.

    O Conde poderia funcionar caso colocasse em prática o real sentido de uma boa sátira. Rico em argumento, o drama/terror/comédia é paupérrimo em roteiro e decisões.

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