Passando por alguns festivais alemães como o 41° Festival Internacional de Cinema de Munique, chega aos cinemas brasileiros mais um filme europeu e com uma indicada ao Oscar no elenco! ‘O Grande Golpe do Leste’ é o primeiro longa-metragem de Sandra Hüller após o seu incrível 2023 atuando em ‘Zona de Interesse’ e ‘Anatomia de Uma Queda’, ambos presentes e vencedores no Oscar 2024, e retornando mais uma vez para um projeto com base histórica. Além dela, o trio de protagonista conta com Max Riemelt, conhecido por atuar em filmes como ‘Matrix Resurrections’ (2021) e ‘A Onda’ (2008) e Ronald Zehrfeld, conhecido pelos trabalhos com o diretor Christian Petzold, protagonizando ‘Phoenix’ (2014) e ‘Barbara’ (2012). O filme é dirigido por Natja Brunckhorst, atriz, roteirista e diretora nascida na Berlim Ocidental, conhecida por protagonizar ‘Christiane F.’ (1981).
No verão de 1990, três amigos de infância — Maren (interpretada por Sandra Hüller), Robert (interpretado por Max Riemelt) e Volker (interpretado por Ronald Zehrfeld) — descobrem um cofre subterrâneo com marcos da República Democrática Alemã (RDA) e iniciam um plano como uma última tentativa para mudar suas vidas.
É necessário sempre um cuidado especial com uma história que envolva política, especialmente de um momento delicado da história alemã como o da reunificação. Não dá pra tratar esse tema como pano de fundo qualquer, porque ele carrega traumas, perdas e contradições muito vivas — e ‘O Grande Golpe do Leste’ parece entender bem isso. O filme traz uma ambientação cheia de calor visual, com cores quentes e uma luz quase nostálgica, mas por trás da estética leve e da trilha envolvente, existe uma tensão constante entre dois sistemas: o que estava desmoronando (o socialismo do leste) e o que chegava com força total (o capitalismo do oeste), mesmo que seja em tom de piada. A graça do filme é que ele não precisa explicar isso em voz alta. A crítica está nos gestos, nas compras desenfreadas, nas conversas entre vizinhos, no jeito que os personagens tentam encontrar algum controle em meio ao caos econômico. Tem comédia? Tem. Mas por trás da risada vem sempre a lembrança de que aqueles personagens estão tentando não perder o pouco que ainda lhes resta de identidade.
A maneira como o filme interliga o humor com a seriedade das relações e mantém uma crítica ao sistema capitalista de produção contribui demais para a experiência do filme. A interação entre os atores também concilia nessa boa alternância entre os sentimentos, mesmo nos momentos cômicos tem um peso sentimental de fundo pela história dos três. O humor nunca é gratuito — ele está a serviço de uma tensão maior: a perda de identidade, de pertencimento e de segurança que muitos cidadãos do leste viveram com a unificação alemã. A paleta quente, com luzes alaranjadas e tons pastéis constantes, reforça o tom nostálgico e quase melancólico de um tempo que está acabando. À medida que os moradores começam a gastar compulsivamente o dinheiro “recuperado”, o filme sugere uma crítica clara ao consumismo e à promessa ilusória do capitalismo como solução. No entanto, essa crítica não vem em forma de discurso, e sim através dos conflitos íntimos entre os personagens, do humor que revela o absurdo da situação e da delicadeza nas relações.
‘O Grande Golpe do Leste’ consegue trazer profundidade para uma narrativa histórica ao explorar, com sutileza e humanidade, as fissuras emocionais e sociais que se abrem quando um sistema colapsa e outro se impõe. E ao fazer isso, transforma um episódio específico da reunificação alemã em uma reflexão universal sobre identidade, memória e resistência.
