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    Crítica | O Homem Cordial

    Suspense nacional peca por não organizar boas ideias.

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    O Homem Cordial mostra as consequências de uma noite, que marcava o retorno aos palcos de uma famosa banda de rock dos anos 1980, em que é viralizado na internet um vídeo que envolve o vocalista e líder do grupo, Aurélio Sá (Paulo Miklos), na morte de um policial militar, enquanto tentava defender uma criança negra acusada de cometer um assalto.

    A intolerância e sua assustadora ascensão no Brasil nos últimos anos, amalgamada a uma esmagadora disseminação de fake news proveniente do mau uso da internet, já nem devia ser mais considerado um tema presente numa “distopia”, ou seja, fora da nossa realidade, uma vez que produções cinematográficas como Um Homem Cordial apenas refletem os infelizes comportamentos e ações de uma sociedade enfraquecida, cega de ódio e sedenta por sangue de minorias e de classes trabalhadoras consideradas “prepotentes”.

    Decupar fatos, escancarar a falta de empatia e se aproveitar da dor de inocentes que são condenados por típicos ‘juízes da internet” para ganhar visualizações, são temas poderosos presentes na trama de Um Homem Cordial, tal como o racismo e a culpabilidade branca. O texto do longa, que conta com a assinatura do próprio realizador, Iberê Carvalho, em parceria com Pablo Stoll, parece, em alguns momentos, estar confortável inserindo tantas temáticas debatíveis, sendo algumas apresentadas no filme de maneira questionável, como o funcionamento da cultura de cancelamento (que, por si já é problemática) sob a visão da direita extremista, o que teria funcionado se houvesse mais clareza na abordagem do tema. Não há um desenvolvimento preciso dessas subtramas ao longo da produção, o que torna o filme arrastado, apesar de sua metragem de apenas 1 hora e 20 minutos. Mesmo que no final tenhamos uma convicção do que O Homem Cordial está criticando, o excesso de informações e decisões discutíveis da narrativa acabam por gerar uma imagem confusa a respeito do que realmente o longa está apto a debater.

    Imagem: O2 Filmes/Reprodução

    Outra questão problemática de O Homem Cordial se dá pelas escolhas de roteiro e direção em não saber quais rumos tomar, começando como um drama, pulando para um suspense investigativo e, no fim, puxar para o lado da ação. Carente de identidade, o longa se desenvolve de maneira bagunçada, inserindo boas e plausíveis discussões ao filme de maneira massiva e quase sufocante, pelo fato da trama ser ambientada em apenas uma longa noite nas ruas de São Paulo. No entanto, a condução de momentos que isolam o personagem de Paulo Miklos, o que gera uma certa empatia do público pelo seu protagonismo e também uma sensação de angústia e ansiedade pelo que pode acontecer de ruim logo em seguida, acaba por ser interessante. Quando o choque de realidade vem a tona e descobrimos as verdadeiras vítimas do fatídico episódio que está atormentando o personagem principal, tudo parece nos acertar como um soco no estômago, o que poderia ser ainda mais intenso se o filme tivesse tomado melhores decisões ao desenvolver sua história e temas abordados.

    Iberê Carvalho peca ao conduzir de maneira automática um elenco promissor, chegando até a deslizar no tratamento que deu ao próprio protagonista. Paulo Miklos também pouco ajuda a construir um personagem  cativante, forçando frases de efeito, xingamentos e um comportamento até sereno diante a situação. Uma pena, pois o ex-Titãs costuma se destacar positivamente nos seus trabalhos cinematográficos, como o fez em O Invasor (2001) e em É Proibido Fumar (2009). Entre os membros do elenco de O Homem Cordial, como Thalles Cabral, Dandara de Morais e Theo Werneck, quem tem grande destaque é o ator e também músico Thaíde, no papel de Béstia, um ex-integrante da banda Aurélio (Miklos) que luta pelos direitos da população negra da periferia.

    Imagem: O2 Filmes/Reprodução

    O filme utiliza recursos modestos, mas caprichosos, ao retratar as perigosas e traiçoeiras suas da capital paulista à noite. Sequências de plano mais fechado, que focam no tom claustrofóbico vivido pelos personagens, e câmeras com pouca estabilidade acompanhando caminhadas ou cenas mais frenéticas também intensificam o tom mais urbano atribuído ao longa.

    No final, O Homem Cordial chega a ser mais um exemplo da bem vinda exploração de gêneros e estilos cinematográficos na sétima arte brasileira, ainda que, nesse caso, falte personalidade e organização das ideias que, na maioria, são atuais e necessárias serem debatidas.

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