qua, 24 abril 2024

Crítica | O Mecanismo

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Na última sexta-feira (23), foi lançada uma nova produção brasileira da Netflix: O Mecanismo. Com a assinatura de José Padilha (Tropa de Elite 1 e 2, Narcos), a ideia da série é mostrar um thriller político, inspirado na Operação Lava-Jato.

Padilha, que tem uma posição política muito bem definida e aberta a público, afirmou que não foram exaltados ou julgados nenhuma posição política. Ele tenta fazer isso inclusive, ao mudar o nome de pessoas com nomes importantes na política brasileira e criando situações diferentes do que aconteceu na realidade. Porém, é muito tênue a linha entre criar uma trama alterada para causar suspense e curiosidade, e mostrar fatos que fazem lembrar a realidade, porém de forma distorcida.

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Só pelo fato de ter a assinatura de Padilha, o público espera um primor pela qualidade técnica, mas nisso a série falha terrivelmente. O roteiro, escrito por Elena Soarez, diversas vezes apresenta soluções fáceis para casos que poderiam ser desenvolvidos de formas mais inteligentes. Por exemplo, (spoiler a seguir, basta clicar no texto borrado, por sua conta e risco) [spoiler]no momento em que foi realizada a busca  na JPR, em que nenhum policial foi deixado para vigiar o local e que, já na delegacia, depois de muito pensar em uma solução para resolver o caso, lembrou-se que haviam câmeras de segurança no andar do prédio, e tudo foi resolvido. Erros de principiantes da polícia, dos criminosos e do roteiro, que optou pela resolução mais simples possível.[/spoiler]

A tentativa de manter a isenção política acaba atrapalhando a série, por inibir certos desenvolvimentos mais interessantes. Além disso, o roteiro utiliza muito cansativamente as narrações em 3ª pessoa (seja pela personagem de Selton Mello ou de Carolina Abras), exibindo a necessidade de um apoio para contar a história, isto é, falta de criatividade e de clareza.

Além disso, a mixagem de som deixa muito a desejar. Inicialmente, parecia que apenas a dicção de Selton Melo não estava boa, mas ficou claro que a pós-produção era falha quando uma cena de diálogo acabava e iniciava-se um momento com mais efeitos sonoros (carros, palestras, músicas). A mudança no volume era tão abrupta de modo a ter que reduzir o volume da TV rápido para não atrapalhar os vizinhos.

As atuações talvez sejam o ponto a se valorizar na produção. Os protagonistas da série são Marco Ruffo (Selton Mello)Verena Cardoni (Caroline Abras), e fazem um bom trabalho. Sabem oscilar as emoções de maneira convincente, mas só. Já o vilão Roberto Ibrahim (Enrique Díaz) é a melhor coisa de toda a produção. A sua evolução como personagem faz com que o espectador tenha vontade de ver mais e mais dele. Sendo o único ponto da série não-maniqueísta, Ibrahim faz com que quem assista lembre-se de que nem tudo é, por completo, bom ou mau (como parece ser apontado na maioria dos outros personagens).

Assim como na maioria das séries, não é o mesmo diretor que fica responsável por todos os episódios. Além de José Padilha (criador da série e diretor do 1º episódio), também estão os nomes de Felipe Prado (episódios 2 e 3)Marcos Prado (episódios 4, 5 e 6) e Daniel Rezende (7 e 8). O último, que também dirigiu Bingo – O Rei das Manhãs é o que merece maior destaque. Os dois últimos episódios são espetaculares no que se diz respeito a ritmo, fotografia e direção. Ele apresenta, inteligentemente, diversos planos sequências e enquadramentos estratégicos para contribuir com a narrativa.

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Finalmente, deve-se tratar a tentativa de isenção dos criadores da série em relação aos acontecimentos reais.

O Estação Nerd nunca posicionou-se politicamente, e nem pretende. As críticas e notícias aqui publicadas são espelhos da realidade e não se busca convencer nenhum dos leitores a seguirem o caminho A ou B.

No caso de “O Mecanismo” é importante ter em mente que 1) a série será divulgada em todo o mundo, e ninguém lá fora está sabendo de tudo o que acontece no Brasil e 2) todo e qualquer filme (assim como outras produções de arte) são documentos para o futuro.

A série é vendida como isenta “livremente” inspirada em fatos. Porém, no final de cada episódio, é dito que a produção é baseada em um livro documental (Lava Jato – o Juiz Sergio Moro e Os Bastidores da Operação Que Abalou o Brasil). No caso de uma série que retrata um momento tão importante na história do país, em pleno ano de eleição, deixar indefinida a sua verossimilhança, põe a credibilidade do que foi relatado em jogo.

Além disso, colocar frases ditas por pessoas na vida real e fazer com que outra personagem fale na série (por mais que os nomes sejam diferentes, basta saber um pouquinho de corrupção política brasileira para reconhecer um por um) pode parecer desonesto.

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É lógico que a interpretação varia muito de pessoa pra pessoa, mas ao refletir que isso pode servir de documento para o futuro, deve-se estar muito atento para não serem armazenadas memórias falsas e distorcidas da realidade.

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João Marcelo Liguori
Apaixonado por cinema e pelo universo nerd. Estudante de Engenharia Civil e crítico de filmes. Salvador, Bahia. :) Para entrar em contato: ⬇︎
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