O cinema musical sempre me fascinou, desde garoto. Eu não entendia bem as razões até começar a estudar cinema, quando finalmente percebi que os musicais possuem algo que nem todos os filmes têm: a fantasia. O cinema, por si só, já nasce da ilusão – a projeção de imagens em movimento, a montagem que cria continuidade, a fotografia que molda a luz para narrar emoções. Mas dentro desse jogo de aparências, poucos gêneros assumem o artifício com tanta entrega quanto o musical. Em que outro tipo de filme uma declaração de amor pode se transformar em um número de dança coreografado sob a luz da lua? Onde mais um lamento pode vir embalado por uma orquestra invisível? O musical não apenas aceita o irreal, mas o abraça, transformando sentimentos em espetáculo.
Essa é a grande mágica desse gênero: ele nos lembra que a arte não precisa se prender à realidade, pois é justamente na estilização que ela se torna mais expressiva. Quando um personagem se vê tomado por uma emoção tão intensa que não pode mais falar – ele canta. Se suas palavras não são o suficiente, seu corpo dança. O cinema musical leva ao extremo a ideia de que o cinema não deve apenas contar uma história, mas fazê-la sentir.
Ainda assim, confesso que, apesar do fascínio, sou um espectador esporádico de musicais – especialmente os nacionais. Talvez porque o musical, dentro do cinema brasileiro, tenha sido um gênero menos explorado do que em Hollywood, onde sua evolução se entrelaçou com o próprio desenvolvimento da indústria cinematográfica. Mas se há um país que parece feito para o musical, esse país é o Brasil. Somos um povo de música, ritmo e festa. Nossa cultura transborda musicalidade, do samba ao forró, da bossa nova ao funk. Nosso cinema, que tantas vezes capturou a pulsação do país através da música – pense no tropicalismo de Macunaíma (1969), no lirismo de Ópera do Malandro (1986) –, parece sempre flertar com o musical, mas raramente se entrega a ele por completo.

Nos anos 1940 e 1950, com as chanchadas da Atlântida, o Brasil teve um momento de ouro do musical popular. Estrelas como Carmen Miranda, Grande Otelo e Emilinha Borba cantavam e dançavam em filmes que misturavam comédia, romance e muita música. Já nos anos 1960 e 1970, o cinema novo e a resistência à ditadura levaram a música para um espaço mais político, enquanto o musical tradicional perdeu força. Mais recentemente, vimos algumas tentativas de retomar esse espírito, como O Samba Que Mora em Mim (2010), Elis (2016) e até Eduardo e Mônica (2022), que, apesar de não serem musicais no sentido clássico, exploram a musicalidade como elemento narrativo.
E é justamente por isso que O Melhor Amigo chega como uma surpresa. Um musical romântico nacional? Algo que, em um país tão rico musicalmente, deveria ser comum, mas não é. Será que o cinema brasileiro pode, enfim, se entregar ao delírio do musical como Hollywood e Bollywood fazem há décadas? Se for para transformar sentimentos em espetáculo, nada mais justo do que usar o cinema para cantar, dançar e celebrar. Afinal, de normal, nosso dia a dia já tem demais.
Gosto muito de como Allan Deberton não tem medo de ser brega. O Melhor Amigo é exatamente esse tipo de filme que entende que o amor, para ser vivido plenamente, precisa ser exagerado, intenso e sem pudor. E há algo de profundamente sincero nisso. O longa abraça a breguice com orgulho, tratando o amor jovem da melhor forma possível: como um sentimento quente, vibrante e arrebatador.
Aproveitando-se das paisagens deslumbrantes do Ceará, o filme traduz esse fervor na própria imagem. O calor não está apenas na temperatura escaldante do cenário nordestino, mas na decupagem que flerta com o melodrama, nas cores saturadas que evocam a paixão, na fotografia que transpira desejo. A câmera dança e captura olhares ansiosos, toques furtivos e a energia pulsante de um romance em ebulição.