O cinema de guerra é um subgênero cinematográfico que se dedica a retratar eventos e histórias relacionados a conflitos militares. Desde os primórdios do cinema, as guerras têm servido como uma rica fonte de inspiração para os cineastas, permitindo-lhes explorar temas profundos, como sofrimento, coragem, sacrifício, crueldade, heroísmo, sobrevivência e, sobretudo, propaganda. Além disso, esses filmes procuram refletir as complexidades políticas, sociais e morais dessas guerras, buscando lançar luz sobre os dilemas éticos enfrentados pelos indivíduos envolvidos e os impactos na sociedade como um todo. Essas produções cinematográficas têm o poder de sensibilizar o público para a realidade do conflito, apresentando histórias de bravura, solidariedade e compaixão, mas também expondo a face sombria da natureza humana, marcada pela violência e intolerância.
No entanto, é necessário observar que uma parcela significativa desses filmes incorre em uma abordagem propagandista, sobretudo no âmbito do cinema norte-americano. A forma como retratam a figura militar americana é excessivamente idealizada, criando uma narrativa heroica e epopeica que, com frequência, exagera e aliena o espectador. Essas representações tendenciosas têm o costume de enaltecer a violência e perpetuar estereótipos culturais, tornando o exército americano como um verdadeiro defensor da paz. É incontestável que tal situação dificilmente será alterada, uma vez que o cinema é uma forma de arte criada por indivíduos com o propósito de expressar ideias e sentimentos. Portanto, não podemos impor um julgamento absoluto sobre o que é certo ou errado na arte. Entretanto, é imprescindível que estejamos cientes dessa tendência propagandista presente em alguns filmes, para que sejamos capazes de criar nossos próprios julgamentos.
Com base nisso, temos o filme “O Pacto”, dirigido por Guy Ritchie e estrelado por Jake Gyllenhaal e Dar Salim. A trama se desenrola durante a Guerra do Afeganistão, onde o Sargento John Kinley (Jake Gyllenhaal) recruta o intérprete local Ahmed (Dar Salim) para acompanhá-lo em uma missão crucial de neutralizar diversas instalações do Talibã. No calor do confronto, Kinley acaba sendo gravemente ferido e Ahmed, em um ato corajoso, arrisca sua própria vida para resgatar o sargento e levá-lo através de cenários perigosos, escapando dos inimigos. Após retornar para casa, Kinley descobre que Ahmed está sendo implacavelmente perseguido pelo Talibã no Afeganistão. Com as autoridades se recusando a fornecer ajuda, o sargento decide, por conta própria, voltar ao campo de batalha para auxiliar seu corajoso amigo.
Em “O Pacto”, Guy exibe um domínio notável da linguagem (e forma) cinematográfica, ao habilmente entrelaçar dinamismo e intimismo para estabelecer uma conexão cativante entre a tela e o espectador. Sua capacidade de manipular a câmera é verdadeiramente impressionante, pois ele confere ao filme um ritmo de tensão e emoção que vão além da história contada, mas também são expressos por meio das imagens. Os movimentos estilizados empregados por Guy, por exemplo, permitem que o espectador capte a essência do filme e sinta toda a intensidade. É admirável a maneira como ele concede à câmera uma certa liberdade durante as cenas de ação, ora aproximando-se dos soldados para uma observação minuciosa, ora recuando em uma distância que parece refletir o temor diante do conflito. Essa abordagem cinematográfica contribui para a imersão do público na narrativa e adiciona um elemento de tensão que enriquece a experiência.
A frontalidade é um elemento essencial quando um diretor deseja estabelecer uma relação direta com o público. Em “O Pacto”, essa característica vai além das cenas de ação e se apresenta no drama, especialmente através do habilidoso uso de closes expressivos. Essa técnica é empregada de forma significativa para transmitir as emoções intensas dos protagonistas, como no olhar de esgotamento de Ahmed, que ao mesmo tempo carrega muita força de vontade, ou na agonia emocional de Kinley ao deixar seu soldado para trás.
Guy apresenta uma abordagem única ao gerenciar o tempo e o espaço diante da câmera, como se a tela representasse o próprio conflito emocional que Ahmed e John vivem. O tempo e o espaço desempenham papéis essenciais no filme, muitas vezes se fazendo presentes de forma opressora. O tempo parece sufocante, como se algo estivesse prestes a acontecer a cada segundo, enquanto o espaço quente e árido — que também se apresenta no consciente inquietante de John — impede qualquer tipo de relaxamento, o que resulta em uma transmissão magistral de aflição e medo.
Além do mais, Guy Ritchie tenta ao máximo dar ênfase aos personagens Afegãos e apresentar uma visão mais assertiva dos norte-americanos no Afeganistão. A maneira como ele busca tratar o exército americano em certas situações, como aqueles que abandonam e descartam seus soldados, é bem interessante. Essa abordagem mais equilibrada permite uma reflexão sobre os diferentes aspectos da guerra e suas consequências humanas. Contudo, mesmo com essa sensibilidade na caracterização dos personagens, não se pode ignorar um leve viés que tende a retratar a América como os grandes salvadores da pátria e criadores dos grandes heróis mundiais. Essa narrativa estereotipada, que muitas vezes permeia os filmes de guerra.