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    Crítica | O Quarto ao Lado

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    Almodóvar, mais do que um cineasta renomado, tornou-se uma verdadeira grife. Ao pensar em seus filmes, uma série de imagens icônicas vem à mente: cores vibrantes, personagens femininas multifacetadas e reviravoltas melodramáticas que atingem o cerne emocional. No entanto, na última década, o cineasta parece ter se encaminhado para uma abordagem mais contida em seu estilo característico. Isso não implica que seus filmes tenham perdido essas qualidades, mas sim que a estética adotada reflete um processo de elegância que, longe de esterilizar a imagem, proporciona um certo respiro.

    Após dois médias-metragens em língua inglesa, “A Voz Humana”, com Tilda Swinton, e “Estranha Forma de Vida”, estrelado por Ethan Hawke e Pedro Pascal, Almodóvar retorna aos cinemas com “O Quarto ao Lado”, seu primeiro longa-metragem falado em inglês. Com Tilda Swinton e Julianne Moore, a musa dos melodramas contemporâneos, o filme acompanha a história de duas amigas que retomam o contato após anos de separação. Em uma nova fase de suas vidas, Martha (Swinton) enfrenta um câncer, um fato que influencia profundamente sua relação com Ingrid (Moore).

    Almodóvar explora essa dinâmica entre as duas protagonistas ao entrelaçar passado e futuro. Na primeira metade do filme, acompanhamos a história de Martha, em um misto de revisita crítica e nostalgia, enquanto nos deparamos com a consciência de sua finitude. Sua morte se aproxima, e a aceitação dessa realidade também passa pela forma como ela observa a própria vida. Ingrid, que expressa sua aversão à morte, se vê confrontada com a lembrança de um tempo fugaz e a angustiante proximidade de um futuro sem Martha.

    Assim, o olhar das personagens — e do filme em si — mergulha em uma melancolia permeada por momentos de humor sutil, que se fazem presentes ao longo da obra. Quando as duas começam a dividir a mesma casa — o que, de certa forma, justifica o nome do filme — essa atmosfera melancólica se intensifica. Almodóvar, então, opta por explorar as nuances das personalidades de cada uma. O espectador testemunha uma personagem que vive cada segundo como se fosse o último, enquanto a outra carrega o fardo da perda.

    Para que essa ambientação melancólica se estabeleça, o longa depende fundamentalmente das atuações, e tanto Swinton quanto Moore oferecem performances impecáveis. Swinton, como uma camaleoa, traz à tona uma combinação de coragem e fragilidade que se manifesta em seu olhar e postura. À medida que sua doença avança, essas características se tornam ainda mais evidentes. Moore, inicialmente na posição de ouvinte da narrativa de vida de Martha, vai acumulando uma carga emocional que se intensifica na convivência. Com olhos expressivos — não por acaso, Todd Haynes utiliza a atriz em seus melodramas por sua capacidade de evocar a essência dos clássicos do gênero — a tonalidade melancólica permeia cada fala e cada interação entre as duas.

    No final das contas, “O Quarto ao Lado” é uma profunda reflexão sobre a vida e a morte — ou, mais precisamente, sobre os vivos e os mortos. A ideia da morte aqui não se limita à finitude da vida; ela se estende à maneira como o momento social e político atual molda nossa percepção da própria morte. A ascensão do neoliberalismo e da extrema direita evidencia isso, pois a negação da crise climática e a incitação à violência se tornam ferramentas de manipulação. Aos 75 anos, Almodóvar parece cada vez mais refletir sobre a condição humana. Ao delinear duas personagens tão bem construídas em suas complexidades, ele edifica uma narrativa de grande sensibilidade e atenção.

    Um dos momentos mais evidentes desse olhar sobre o mundo se revela em um plano dos flocos de neve caindo na cidade – algo simples, mas grandioso diante dos olhos almodovarianos. Em um universo repleto de caos e agitação, a pausa para ouvir o suave cair da neve nos convida a refletir sobre nossa própria mortalidade. Nesse espaço de quietude, somos instigados a reconhecer que, embora a vida seja efêmera, a memória e o amor perduram, eternamente cobertos pelo manto silencioso da neve.

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