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    Crítica | O Rebanho

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    Nada consegue provar melhor o impacto de A Bruxa (2016) no horror contemporâneo do que a imensa sombra que ele projetou nos filmes do gênero que se sucederam nos festivais de cinema independente. É evidente que vários outros clássicos instantâneos da produtora/distribuidora A24 também tiveram sua parcela de contribuição (Ao Cair da Noite, Hereditário, Midsommar), mas o filme de Robert Eggers pode ser facilmente, hoje, tido como o guia espiritual de muita coisa que veio depois. E O Rebanho, filme de 2019 que teve sua estreia oficial nos Estados Unidos em 2020 e entrou no último dia 4 no catálogo do Telecine, é um perfeito exemplo – mas não dos bem-sucedidos.

    A trama se passa em algum lugar remoto cheio de florestas montanhosas e, aparentemente, muito longe da civilização. Acompanhamos um grupo de cerca de 15 mulheres que vivem num rígido culto liderado por um único homem, a quem elas chamam de Pastor (interpretado por Michael Huisman). As mulheres são divididas em esposas e filhas e, com base nas poucas informações dadas, há bons anos que vivem dessa maneira, isoladas do mundo exterior e tendo que se mudar por conta de abordagens policiais. A personagem principal, uma jovem chamada Selah (Raffey Cassidy), que faz parte do grupo das filhas, é dotada de uma beleza que chama a atenção de seu líder e também de uma pureza na sua fé que parece inabalável – ou, pelo menos, até presenciar alguns extremos que começam a mexer com suas ideias cada vez mais. 

    Dirigido pela polonesa Małgorzata Szumowska e escrito pela norte-americana C.S. McMullen, O Rebanho tem duas coisas que contam muito a seu favor: as possibilidades que a muito curiosa premissa oferece para a criação de um microcosmo com regras próprias (coisa que Midsommar faz de maneira icônica) e a visão feminina para tratar de assuntos já tão célebres nesse horror de aspirações sociológicas dos últimos anos (patriarcado, sexismo, fanatismo, fundamentalismo etc). Essa última, justiça seja feita, fica nítida tanto na recusa pela fetichização dos corpos e dos abusos cometidos pelo personagem de Huisman quanto pelo desenvolvimento do arco de Selah, no qual é fundamental a participação de uma integrante marginalizada do culto. Embora a ideia de uma revolta iminente seja anunciada desde o próprio conceito do filme, os elementos que o roteiro e a direção conjugam para despertar essas “rachaduras” no sistema são até bastante competentes.

    A tal criação de um microcosmo, no entanto, perde muito por causa da projeção polida de “filme de festival” que O Rebanho parece não querer abandonar. Szumowska gosta de insinuar a cada cinco minutos a estranheza no olhar do Pastor, no olhar de Selah e no comportamento submisso e crédulo das esposas e filhas, mas nunca expõe nada de verdadeiramente perturbador nessas relações. A encenação fica numa zona de conforto monotônica que busca, através de suas belas composições visuais, criar um crescendo de desconforto mas, na prática, mexe muito pouco com os sentidos do espectador. Mesmo no ato final (que, apesar da previsibilidade, amarra a trama com certa coerência temática), O Rebanho coloca suas cartas na mesa de forma burocrática, anticlimática e, honestamente, até um tanto covarde. 

    Enquanto A Bruxa e muitos outros do mesmo filão (sendo Saint Maud um dos mais recentes) utilizam a contenção e a estranheza como peculiaridade dramática, estabelecendo relações muito originais com o gênero para construir e desconstruir seus universos, O Rebanho o faz mais como uma grife de terror de “bom gosto”, colocando terra em todas as chances de desestabilizar sua narrativa e, de alguma maneira, se mostrar autêntico nas suas escolhas.

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