qui, 20 novembro 2025

Crítica | O Sobrevivente

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‘O Sobrevivente’ é o mais novo filme do diretor e roteirista britânico Edgar Wright, conhecido por dirigir filmes como ‘Baby Driver’ (2017), ‘Scott Pilgrim contra o Mundo’ (2010) e ‘A Noite Passada em Soho’ (2021). Inspirando-se na história do filme de 1987 do filme de mesmo título estrelado por Arnold Schwarzenegger, a nova produção conta com Glen Powell no papel principal, um ator conhecido por filmes recentes como ‘Twisters’ (2024), ‘Todos Menos Você’ (2023) e ‘Hit Man’ (2023).

Precisando arrumar dinheiro urgente para o tratamento de sua filha pequena, Ben Richards (interpretado por Glen Powell) decide entrar em um desafio de um programa de televisão que vai custar tudo ao seu redor. 

O estilo de Edgar Wright acaba reunindo muitos elementos em suas narrativas, algo que pode funcionar muito bem ou muito mal. Em ‘O Sobrevivente’, essa mistura aparece desde os primeiros minutos, quando o diretor assume sem medo a estética exagerada do programa televisivo que dá nome ao filme, abraçando o caricato como ferramenta narrativa e não como defeito. Wright entende que, quando um reality mortal é o centro da história, o absurdo não é apenas bem-vindo, ele é necessário para revelar a natureza grotesca do espetáculo. E por isso ‘O Sobrevivente’ funciona tão bem: ele combina uma superfície de entretenimento caótico com um subtexto político que nunca desaparece. A caricatura do programa não é gratuita; ela intensifica a crítica ao consumo de violência como produto e mostra, de modo quase irônico, o quanto o público dentro do filme é capaz de aceitar e até torcer pela barbárie televisionada. Ao mesmo tempo, essa camada cômica contrasta com a dimensão dramática que envolve Ben Richards, cujo arco pessoal funciona como o centro emocional da história. Wright encontra um equilíbrio interessante entre excesso visual e humanidade, permitindo que, entre uma fuga, uma explosão e um momento de humor, surja a dor real de um homem esmagado por um sistema que decide por ele o que é verdade, o que é justiça e até o valor da sua própria vida. A história da família de Richards, sobretudo a manipulação, o apagamento de memórias e a narrativa fabricada que transforma o protagonista em vilão, traz um peso emocional que aterrissa o filme e impede que ele seja apenas um amontoado de cenas de ação bem coreografadas. Esse conflito interno cria uma tensão constante: enquanto o programa tenta desumanizá-lo ao máximo, o roteiro insiste em mostrar que a humanidade dele é justamente o que o torna perigoso para um sistema que lucra com a desinformação. A força do filme nasce desse contraste entre exagero e verdade emocional, entre o teatro violento televisivo e a história íntima de um homem tentando sobreviver a uma mentira institucionalizada.

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Créditos: Paramount Pictures

Essa combinação entre espetáculo e crítica social ganha ainda mais força quando Wright coloca o sistema capitalista estadunidense no centro de sua mira, transformando o filme em um comentário ácido sobre a lógica do consumo, da manipulação e da espetacularização da violência. O que poderia ser apenas uma história de ação se transforma, pela lente do diretor, em um retrato de como o entretenimento é capaz de absorver as piores partes da sociedade e devolvê-las como mercadoria. A maneira como o programa é conduzido, com apresentadores caricatos, drones invasivos, merchandising absurdo e uma plateia faminta por sangue, acaba funcionando como um espelho distorcido, mas assustadoramente verossímil, da cultura midiática real. Wright parece sugerir que, em um sistema movido por audiência e lucro, a moral é sempre flexível e a verdade é sempre negociável. A ação reforça esse ponto: as cenas são frenéticas, exageradas e até engraçadas, mas carregam consigo uma sensação de urgência e desesperança, como se cada piada ou cada golpe fosse mais um lembrete de que aqueles personagens estão presos em um mundo que perdeu completamente a noção de limite. Essa sensação de desespero apocalíptico surge não só do cenário decadente do país retratado, mas também da forma como o humor é usado para sublinhar a aberração de tudo aquilo. Rimos não apenas porque a cena é engraçada, mas porque a alternativa seria encarar o absurdo de forma crua demais. O resultado é um filme que se equilibra com precisão entre ação energética e sátira social, sem perder o ritmo ou subestimar o espectador. Wright cria um universo exagerado, mas incrivelmente coerente dentro de suas próprias regras, e faz isso deixando claro que o objetivo não é apenas entreter, e sim provocar. 

No final, ‘O Sobrevivente’ é menos sobre a fuga de Richards e mais sobre a incapacidade de um sistema moldado pelo capital e pela necessidade incessante de espetáculo de enxergar as pessoas como algo além de engrenagens substituíveis. E é justamente nessa mistura de exagero, humanidade e crítica ácida que o filme encontra sua força, entregando uma experiência que é divertida, inquietante e, acima de tudo, surpreendentemente atual.

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Rui Filho
Rui Filhohttp://estacaonerd.com
Recifense, cinéfilo e estudante de Cinema desde 2020, graduando em Publicidade e Propaganda. Apaixonado por arte, amante dos esportes, curioso sobre tudo e sempre em busca de algo novo para assistir.
‘O Sobrevivente’ é o mais novo filme do diretor e roteirista britânico Edgar Wright, conhecido por dirigir filmes como ‘Baby Driver’ (2017), ‘Scott Pilgrim contra o Mundo’ (2010) e ‘A Noite Passada em Soho’ (2021). Inspirando-se na história do filme de 1987 do filme...Crítica | O Sobrevivente