sáb, 12 abril 2025

Crítica | Oeste Outra Vez

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Logo no início do filme, assistimos a uma mulher sair de um carro e caminhar até sumir de vista, ela é filmada de costas, revelando nada sobre sua personalidade, apenas que ela se foi. Essa é a única mulher que aparecerá ao longo do restante da narrativa.

Em uma cidadezinha do interior de Goiás, as mulheres saem de cena para que vejamos um reflexo puro da masculinidade interiorana, em um filme que ressignifica as convenções do gênero faroeste. Os homens retratados não assumem mais aquela postura de virilidade ameaçadora, pelo contrário, são tão moral e fisicamente frágeis que a violência se torna uma forma de defesa e a única comunicação que conhecem.

Enquanto caixotes se empilham ao lado de fora de um banheiro feminino indicando seu desuso, os homens sentem-se cada vez mais solitários, menos compreendidos e incapazes de articular seus sentimentos. Passam o tempo todo falando sobre desejar mulheres – específicas ou não. A vontade de recuperar uma companheira “roubada” por outro homem motiva as ações tanto do protagonista, quanto de um dos capangas. Mesmo que essas mulheres nunca estejam em cena, são elas que movem todos os acontecimentos do filme.

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E quanto mais o diretor se aprofunda nessa aparente masculinidade, mais a figura do “machão” se desconstrói e se reconstrói. São letais e inarticulados, causam destruição por onde passam, pela simples incapacidade de se reconciliar com seus sentimentos.

Sem as figuras femininas em cena, os ambientes do filme aparecem sempre sujos e desorganizados, a comida parece insossa – a única coisa que aparenta ser palatável é a pinga que tomam como se fosse água –, as roupas amarrotadas e os homens envelhecidos. Sem alguém para cuidar deles, de suas vestimentas e suas moradias, seus mundos parecem desabar, pois não conseguem dar conta de si mesmo sozinhos.

Nem mesmo na matança são tão bons assim, até porque a violência é apenas um escudo, um atalho para resolver seus problemas sem precisar encará-los. E a consequência disso é a criação de novos problemas, um mundo de perda e dor. Quando não estão atirando – e errando mais do que um stormtrooper – estão conversando e suas palavras são tão desorientadas quanto suas balas. Sentem falta das mulheres de suas vidas, mencionam isso constantemente, mas ainda que os sentimentos pareçam honestos, não conseguem sair do lugar comum que os impede de enxerga-las como seres humanos com vontades próprias que devem ser respeitadas. A afeição mais genuína é a que sentem uns pelos outros. Desejam as mulheres, amam os homens.        

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Há uma beleza na forma que o diretor da voz aos sentimentos que eles falham em comunicar, a palavra não dita é ouvida em alto e bom tom pelo espectador nessa obra tão serena quanto violenta. O início é impactante, a jornada é poética e o final é sublime, sintetizando tudo que o filme representa.  

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Raíssa Sanches
Raíssa Sancheshttp://estacaonerd.com
Formada em direito e apaixonada por cinema
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