O cinema nacional nasce da resistência, seja contra o imperialismo cultural europeu e norte-americano, seja contra as amarras impostas pela ditadura, que sufocou um desejo artístico e cultural profundamente enraizado no país. Dentro desse contexto, surge Onda Nova, um filme que, como o próprio nome sugere, carrega em si uma “new wave” de liberdade, subvertendo tudo o que o conservadorismo tenta preservar. Na época de sua primeira exibição, o longa foi considerado amoral e rapidamente se tornou alvo da censura da ditadura militar brasileira. E só esse fato já lhe confere um selo de interesse incontestável — se um filme é “caçado” pelo puritanismo conservador, é porque nele há algo genuinamente livre. Onda Nova se insere nesse espaço de ruptura, um ato de insubordinação tanto estética quanto ideológica, desafiando um Brasil mergulhado no falso moralismo. Mais do que um filme, ele se transforma em um manifesto, uma provocação contra os limites impostos à arte e ao desejo.
Mas essa nova onda não se manifesta apenas no discurso — ela está presente na própria estética e na forma como o filme se constrói. Há um espírito livre no fazer cinematográfico, na desconstrução de padrões narrativos e na maneira como a câmera e a montagem capturam essa atmosfera de libertação. O filme rompe com convenções de uma sociedade, experimenta, abraça a espontaneidade e transforma cada enquadramento em um manifesto contra qualquer tipo de repressão. É um cinema que não apenas representa a liberdade, mas a exerce em cada decisão formal e estilística, tornando Onda Nova um marco dentro do audiovisual brasileiro.
Gosto de brincar com a ideia contida no título do filme porque ele se encaixa perfeitamente em seu próprio significado: uma nova onda. O filme se ancora em algo já familiar ao espectador dos anos 70/80 — as pornochanchadas — mas não se limita a apenas reproduzi-las. Pelo contrário, ele ressignifica e adiciona uma identidade própria, marcada por uma estética livre e descompromissada. Há um equilíbrio interessante entre a herança de um cinema erótico, mas também tem a busca por algo único, criando um espaço onde o desejo, a irreverência e a experimentação se tornam elementos centrais.

Onda Nova abraça uma liberdade tipicamente oitentista, ao mesmo tempo em que exalta uma brasilidade vivida através do desejo e do prazer. O que mais me fascina é como o filme realmente se entrega a essa liberdade, sem pudores ou restrições, tanto na forma quanto no conteúdo. Seja através das mulheres que exploram a si mesmas sem medo ou amarras — algo já bastante à frente de seu tempo —, seja na estrutura formal, com cortes brutos, nudez e uma abordagem direta. Mas o que mais me encanta é a naturalização de elementos que, para a época, ainda não eram tão naturais quanto deveriam ser. Em Onda Nova, tudo acontece na imagem, sem concessões ao espectador, sem a necessidade de guiar seu olhar ou explicar seus significados. O filme respira liberdade, onde o real e o fantástico se entrelaçam no fluxo natural do desejo.
Mais do que um filme sobre mulheres jogando futebol — com o reconhecimento do público e dos dirigentes —, Onda Nova é sobre corpos que ocupam espaços sem precisar pedir permissão. Mulheres lésbicas, homens gays, liberdade feminina. Tudo inserido sem didatismo, sem justificativas, apenas existindo, como deveria ser. Há uma força disruptiva nessa naturalização, uma recusa em se moldar às expectativas conservadoras da época. É um cinema que não apenas captura seu tempo, mas antecipa discussões e comportamentos que ecoam até hoje, provando que a verdadeira ousadia não está em chocar, mas em simplesmente permitir que a vida aconteça na tela, sem amarras.
Não sou muito adepto dessa ideia de filmes “necessários” ou “importantes”. Não vejo a arte como uma ferramenta educativa, mas como um espaço de liberdade, onde temas podem ser discutidos sem a obrigação de transmitir lições morais. Ainda assim, é no mínimo instigante que o relançamento de Onda Nova aconteça agora, em um período onde o conservadorismo artístico e social ganha cada vez mais força. Vivemos um tempo em que cenas de sexo são tratadas como supérfluas, onde se discute a necessidade de um botão para pulá-las, onde falar sobre desejo, corpo e prazer é visto como impuro. Um momento de repressão disfarçada de bom senso, que reduz a arte ao que é considerado “apropriado” e “aceitável”. Talvez Onda Nova surja agora para abrir uma brecha, para reacender uma nova onda dentro do cinema nacional. Que os artistas se libertem, que os corpos se soltem, que os desejos encontrem espaço para existir sem culpa.