‘Os Roses: Até que a Morte os Separe’ é o mais novo filme do diretor estadunidense Jay Roach, muito conhecido pelas suas comédias do final dos anos 90 e começo dos anos 2000, como ‘Austin Powers – Um Agente Nada Discreto’ (1997) e as sequências da história, lançadas em 1998 e 2002, e ‘Entrando numa Fria’ (2000) e sua sequência de 2004, ‘Entrando numa Fria Ainda Maior’. Roach teve um projeto vencedor de Oscar, quando dirigiu ‘O Escândalo’ (2019) e venceu o Oscar 2020 na categoria de Melhor Maquiagem e Penteados, além do longa ter sido indicado em Melhor Atriz (Charlize Theron) e Melhor Atriz Coadjuvante (Margot Robbie). Agora ele retorna para a comédia com um grande elenco também recheado de Oscars, com Benedict Cumberbatch e Olivia Colman, somando 2 vitórias e 5 indicações ao Oscar (ambas de Colman). Nos coadjuvantes, o destaque vai para Andy Samberg, conhecido por protagonizar a série ‘Brooklyn Nine-Nine’ e, nos cinemas, pelo filme ‘Palm Springs’ (2020) e ‘Homem-aranha: Através do Aranha-verso’ (2023).
Vivendo uma vida de casal perfeita, Ivy (interpretada por Olivia Colman) começa a ter sucesso como chef de cozinha, enquanto Theo (interpretado por Benedict Cumberbatch) lida com uma frustração profissional recente e agora precisa ser o pai de família e cuidar dos filhos enquanto Ivy viaja pelo mundo.
Esse é um daqueles filmes que encontram força na simplicidade de sua premissa e na complexidade de sua execução. ‘Os Roses: Até que a Morte os Separe’ é essencialmente uma história sobre um casal, e não tem vergonha de se assumir como tal: a narrativa não se perde em subtramas dispersas ou artifícios desnecessários, mas concentra-se no núcleo dramático da relação entre os protagonistas. Esse foco permite que a interação entre Benedict Cumberbatch e Olivia Colman funcione muito bem, sustentando o filme tanto nos momentos de humor quanto nas tensões mais amargas. O roteiro explora o romance de forma bastante feliz, mostrando como a evolução da relação do casal se dá de forma gradativa e quase palpável, seguindo uma decupagem que realmente mostra a evolução daquela família – da paixão inicial à convivência cotidiana, dos pequenos atritos à corrosão inevitável. É interessante notar como os elementos são usados pelo diretor para essa demonstração da “vida útil do amor”, como a fotografia inicialmente branca, quase estéril, dá a sensação de perfeição e pureza, como se estivéssemos diante de uma vitrine de vida idealizada. Essa mesma brancura, no entanto, começa a se desfazer aos poucos, substituída por contrastes mais pesados e intensos, como o preto dos cenários e o calor quase sufocante da luz da lareira, com estas duas cores unidas na “casa dos sonhos” de Theo, um local que seria, literalmente, o motivo da última briga que eles teriam. É um recurso visual que dialoga diretamente com a narrativa: o que antes era ideal, organizado e “correto”, se transforma em uma convivência marcada por sombras, desgaste e, inevitavelmente, ironia. Há também um interessante jogo cromático nos figurinos, o azul inicial, que remete a frescor, leveza e até uma certa serenidade, dá lugar ao amarelo, símbolo de alerta, exaustão e até mesmo de um desgaste emocional, como se o próprio guarda-roupa denunciasse o estado de espírito dos personagens.

O humor ácido do filme é outro elemento que merece destaque. Longe de ser apenas um alívio cômico, as piadas bem construídas e estrategicamente posicionadas funcionam como mecanismos de crítica e como reforço do próprio drama conjugal, como sendo o momento que eles podem extravasar para o outro sobre os problemas que eles tem. Esse humor se apoia em uma decupagem criativa, cheia de planos que exploram tanto a linguagem corporal dos atores quanto o espaço ao redor deles, tornando o riso quase inevitável mesmo em momentos de tensão. O diretor tem bom domínio em equilibrar o riso e o incômodo, fazendo com que cada piada revele algo a mais sobre o desgaste do relacionamento. Nesse ponto, Olivia Colman tem mais uma boa performance na sua carreira, com nuances sutis e potentes, capaz de alternar entre fragilidade e acidez em questão de segundos. Sua atuação funciona como o coração pulsante do longa, enquanto Benedict Cumberbatch complementa essa energia com uma presença que combina intensidade e contenção, mas juntos em tela são uma dupla perfeita. O elenco de apoio, embora em papéis menores, enriquece o filme com momentos pontuais de humor e dramaticidade, reforçando o clima geral de comédia ácida com toques de tragédia doméstica. O resultado final é um filme que, ao mesmo tempo em que diverte, incomoda; que faz rir, mas também faz refletir sobre as fissuras inevitáveis de qualquer relação.
“Os Roses: Até que a Morte os Separe” conquista justamente por essa dualidade: consegue ser esteticamente elegante e narrativamente eficiente, sem jamais perder o calor humano e a complexidade que tornam suas personagens críveis. É uma obra que mostra que o romance, no cinema, não precisa ser idealizado ou melodramático para funcionar, às vezes, basta ser honesto, ácido e visualmente inteligente.