Paris, Texas, filme dirigido por Wim Wenders (Asas do Desejo) em 1984 foi remasterizado em 4K e relançado nos cinemas brasileiros no dia 25 de setembro desse ano. O filme, que já pode ser considerado um clássico moderno, é uma espécie de faroeste, ou melhor dizendo, “anti-faroeste”, à semelhança das obras de John Ford, o diretor se utiliza dos grandes planos para mostrar os desertos do Oeste estadunidense, que circunda seu protagonista sisudo e de poucas palavras. Todavia, nessa história não há espaços para lutas, pistolas e bang-bangs, os conflitos do personagem principal são travados internamente e não podem ser facilmente resolvidos através do gatilho mais ágil.
A desolada alma em conflito do protagonista, Travis, se reflete nas planícies devastadas e sujas, onde nada parece florescer. Seu silêncio ecoa na imensidão do cenário, enquanto seu irmão tenta arrancar dele algumas palavras que possam explicar seu sumiço por quatro anos, porém a confissão só virá bem mais para frente, em uma cabine fechada, pequena e colorida, radicalmente oposta ao deserto no qual foi encontrado.
Antes de chegar lá, Travis precisará retornar para a “civilização” e lidar com aqueles que deixou para trás, em especial seu filho Hunter – um garoto de sete anos, criado pelos tios, após a partida dos pais. Inicialmente, há um distanciamento entre eles, tão imenso quanto as estradas do início do filme. E assim como venceu a distância das estradas, aos poucos, vence também o abismo que os separa. Uma das cenas que marca o começo dessa reaproximação, é quando a família toda se reúne para assistir filmagens caseiras de uma viagem familiar registrada em Super 8. Aquelas pessoas não mais existem – como bem aponta o jovem Hunter – mas suas imagens permanecem eternizadas, como uma bela memória congelada no tempo. É o poder da câmera, das imagens, do cinema.

Após reconectarem-se, pai e filho partem em busca de Jane, mãe do rapaz e ex-esposa de Travis. Até esse momento não temos maiores informações sobre o que aconteceu entre o casal para leva-los ao que aparenta ter sido uma brusca ruptura. Jane é mencionada desde o início do longa, aparece em vídeos e fotos, como essa presença marcante que sempre move os personagens, ainda que sem estar ali de fato. Há uma espécie de mistério em torno de sua figura.
Quando a vemos pela primeira vez em seu icônico suéter pink que ilustra o pôster da versão remasterizada do filme, somos cativados por ela e pela forma como é registrada pelas lentes da câmera de Wenders. Talvez uma das aparições mais memoráveis da história do cinema. O ex-casal se “encontra” em uma cabine de peep-show, na qual ele consegue (re)vê-la, sem que ela consiga enxerga-lo.
Ele retorna ao local novamente, dessa vez o vestido rosa choque da moça foi substituído por um modelo quase idêntico, mas na cor preta, assim como a camisa de Travis – que antes era vermelha. Envoltos em tons que simbolizam o luto, ele revela, aos poucos, sua identidade durante um monólogo confessional, que culmina em um dos planos mais lindos já vistos em uma tela de cinema: Seus rostos sobrepostos, plano e contraplano filmado simultaneamente, através de seus reflexos no espelho. É o domínio da imagem, a forma inventiva de filmar essa interação que faz com que o diretor consiga tanto êxito em uma cena que nas mãos erradas teria virado apenas expositividade.
Paris, Texas é um melancólico retrato da solidão de um homem marcado por suas falhas do passado, atormentando pelo peso da culpa pela família que sua obsessão destruiu. Graças a uma abordagem sublime do diretor, o filme se consagra como um dos grandes de sua época.