sáb, 27 abril 2024

Crítica | Perdida

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Para muitos, a máxima do “Viveram felizes para sempre” está condenada a um passado distante, mas esse não é o caso em Perdida, adaptação nacional do livro homônimo lançado em 2013. A trama nos apresenta a Sofia Alonzo (Giovanna Grigio), uma jovem editora literária apaixonada por romances de época. Ironicamente, ela prefere o manter o ceticismo nos relacionamentos e fica surpresa ao saber que a melhor amiga planeja deixá-la para viver com o namorado na Austrália. O ponto de virada acontece quando, misteriosamente, ela vai parar no Brasil do século XIX e lá conhece o encantador Ian Clarke (Bruno Montaleone), capaz de renovar sua esperança no amor. Tal sentimento permeia toda a narrativa, além de ser idealizado sem precedentes na contramão da tendência atual de questioná-lo ao máximo. Em consequência disso, assistimos a um discurso glamourizado e batido que, apesar de recorrer à nostalgia coletiva, só funciona para quem está preso no passado.

A obra literária de Carina Rissi na qual o filme se baseia conversa diretamente com o contexto de seu lançamento. No início dos anos 2000, os chamados click-lits, produtos culturais originados a partir de um universo extremamente feminino, ainda eram bastante populares. Em filmes clássicos do gênero como O Diário de Bridget Jones, Como Perder um Homem em 10 Dias e Vestida para Casar, as mulheres geralmente projetavam no casamento a noção de completude. Algumas simulavam o feminismo por meio de opiniões controversas e sucesso profissional enquanto passavam a juventude frustradas na busca por um par ideal ou solteiras pela falta de parceiros à altura de suas expectativas. Por vezes, tais conflitos vinham acompanhados de referências a histórias fantásticas e clássicas cujas personagens, mesmo as mais subversivas, sempre encontravam homens qualificados com ideais conservadores de relacionamento.

Esses mesmos clichês também compõem a versão cinematográfica de Perdida, embora ela tenha sido concretizada uma década após o livro. De forma quase reacionária, o longa dirigido por Katherine Putnam rejeita as mudanças sociais em prol de uma abordagem, simultaneamente, nostálgica para jovens adultas e ultrapassada para as adolescentes. A protagonista de Grigio tenta aparentar maturidade a todo custo, mas usa All Star com vestido de gala (lembram da Hillary Duff em A Nova Cinderela?) e preserva a inocência ao lidar com situações cotidianas. Seu principal desafio no trabalho, por exemplo, é vender a ideia que uma reedição de Orgulho e Preconceito faria uma ótima contraposição às publicações eróticas de qualidade duvidosa. Já no âmbito pessoal, ela recorre ao clássico de Jane Austen a cada decepção com o sexo oposto, contradizendo o princípio de manter os pés no chão.

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Propositalmente, o período passado para o qual Sofia retorna reproduz grande parte do imaginário criado pela autora inglesa. Em meio a cortejos, bailes luxuosos e passeios a cavalo, há, certamente, um cavalheiro solitário. Ian não tem nada em comum com Mr. Darcy além do alto poder aquisitivo e a obrigação de constituir família ainda jovem. Ainda assim, a personalidade rasa lhe permite ser heroico o suficiente para salvar seu interesse romântico dos perigos do mundo ou, até mesmo, da própria desilusão. Tal característica aparece em diversos momentos da jornada do casal, como na cena em que ele resgata Alonzo das mãos de um abusador ou pinta o rosto da amada em segredo e se declara apaixonado logo depois da primeira noite juntos. Enfim transformada, ela abdica do presente e se entrega incondicionalmente à Clarke com a perspectiva de fazer da vida real um conto de fadas.

O desfecho do longa deixa margem para continuações na mesma linha o que é, sem dúvidas, alarmante. Isso porque a sociedade atual mudou muito desde a descoberta de Anne Hathaway em O Diário da Princesa, a valsa de Amanda Bynes em Tudo que uma Garota Quer e a aventura de Jennifer Garner em De Repente 30. A busca pela cara metade cedeu lugar à luta feminista na qual mulheres modificam papéis de gênero, celebram a liberdade sexual e priorizam relações com as próprias emoções a ponto de se tornarem autossuficientes. De outro lado, o romantismo exacerbado foi renegado a posição de uma utopia frustrante que deve ser cada vez menos reproduzida na cultura. Se você já se identificou com filmes assim no passado, fique à vontade para revisitá-los a qualquer momento. Mas e quanto a juventude contemporânea? Seria mesmo justo fazê-la amadurecer com as mesmas projeções que uma vez contribuíram para a sua concepção irrealista sobre o amor?

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