dom, 22 dezembro 2024

Crítica | Por Que Você Não Chora?

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A partir de uma ruptura com o status base – inicialmente apresentado na narrativa –  são desenvolvidas as consequências que serão tomadas como rumo principal. Muitas vezes, esse evento vem por intermédio de um personagem impulsionado por ações transgressoras, mas que são a abertura para diversos comportamentos, antes contidos dentro de uma sobriedade aparente do protagonista. Essa relação de interferências polares é comumente vista em filmes que almejam tirar seu personagem da zona de conforto, confrontando seus anseios pessoais e questionando sua posição diante do ambiente. Talvez seja a ironia contida no nome “Por que Você Não Chora” que o faça esquecer conceitos primordiais dessa estrutura e dirija seu foco para um desinteresse em discutir o estado psicológico dentro de seu microuniverso, como suas reverberações no extra filme.

O2 Films/ Divulgação

Seu início, por outro lado, adquire interesses bem instigantes diante da composição quase monstruosa na cena de abertura, revelando questões maternas não resolvidas por Jéssica (Carolina Monte Rosa). São um dos poucos momentos que o filme permite uma abordagem mais sugestiva sobre suas intenções. Apesar de rápida, dá para perceber uma ideia primária bem interessante da diretora Cibele Amaral em trazer esses conflitos para um lado mais fantasioso, contrastando com a sensação apática de frequentar faculdade, trabalho e cuidar de sua irmã, Joyce. Porém, a breve liberdade é sufocada por exposições didáticas sobre o transtorno vivido por Bárbara (Bárbara Paz). Se não a própria personagem manifesta por meio de frases estereotipadas como “eu sou uma bomba relógio”, o roteiro interrompe a narrativa – inserindo cenas com os professores apresentando as fases comportamentais -, reforçando passar uma imagem de conscientização. Na prática, essa apresentação artificial de associações planejadas entre as personagens, uma com limites bem delimitados e outra com ímpetos desproporcionais, se descaracteriza por uma série de inconsistências causadas pelas escolhas do filme em si. Bárbara e Jéssica só tem seu andamento demarcado quando é conveniente que elas interajam. O primeiro momento de interação entre as duas acontece em um lago onde estão jogando pedras. A imposição para ter alguma empatia por essa cena é tão evidente que tudo inicia e se resolve sem que exista um real sentimento de aproximação. Celine impõe como devemos enxergar a relação delas e não apresentá-las de fato. Tal manipulação dramática acaba silenciando a força interpretativa das duas atrizes por intervenções sensoriais deslocadas, como na cena em que tenta construir um desespero simultâneo, só para depois forçar comoção acompanhada de trilha sonora. Parece existir uma falta de credibilidade com suas atrizes em determinados momentos. 

O2 Films/ Divulgação

Do mesmo jeito que impõe estabelecer a relação após uma cena mal executada, as discussões acerca dos limites entre paciente e analista se mantêm em uma superfície segura, apenas se valendo dos momentos dramáticos para gerar impactos já esperados. Em nenhum momento é levantado o caso do despreparo de Jéssica sobre suas atividades psicológicas, muito menos sobre suas atitudes pouco profissionais dentro do Acompanhamento Terapêutico (AT) – a resposta de um impulso agressivo existe, mas prontamente é esquecida por uma falta de controle da diretora. O que temos, mais uma vez, é uma leve indagação vinda de algum professor, disfarçada de prenúncios para o ato final.Vale apontar o momento ridículo que um dos alunos, em tom crítico, enfatiza para toda a turma que psicólogos não são parentes, nem amigos. É uma falta de sutileza que beira o amadorismo. Pouco mais da metade observa-se a iniciação da crise de Jéssica – que demonstra sofrer problemas psicológicos graves em cenas apressadas em atestar um estágio grave. São cenas que teriam seu devido peso se surgissem de modo gradativo com a personagem, mas a necessidade de fazer o abismo olhar de volta em tão pouco tempo denota para uma dramaticidade sustentada no ato e não como ele se deu. Ao final, o jogo de cena entre três ambientes distintos tenta resgatar a sugestividade tão mais interessante exibida no início. Uma boa cena, dentre tantas grosseiras, mas que assim como a correria para entregar resultado, é prejudicada pela enxurrada de momentos professorais e a inconsistência sobre o que mostrar e como mostrar. Resta apenas saber se foi uma ideia interessante que se perdeu no meio de tantas outras ou se a falta de cuidado com um tema tão sério já estava planejada desde sua concepção.

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Gabriel Lunahttp://estacaonerd.com
Jornalista que se aventura no mundo da crítica de cinema. Gosto de café e filme em preto e branco.
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