Em Prédio Vazio, novo filme do cineasta capixaba Rodrigo Aragão (O Cemitério das Almas Perdidas), a jovem Luna (Lorena Corrêa) procura por sua mãe (Rejane Arruda), desaparecida no último dia de Carnaval em Guarapari. Suas buscas a levam a um antigo prédio de temporada, à beira-mar, um lugar habitado por almas atormentadas e uma caseira misteriosa que farão da jornada da protagonista um verdadeiro inferno.
É escasso o número de cineastas da atualidade de utilizam o “mau gosto” e elementos horripilantes, capazes de causar medo e ojeriza, a seu favor. O brasileiro Rodrigo Aragão é um dos raros exemplos atuais de artistas que, a cada nova investida que aprimora ainda mais sua técnica e estilo cinematográfico que chama atenção por não ter medo de usar e abusar da criatividade, gera uma repulsa narrativa de alto entretenimento, que consegue bater de frente com as limitações da produção e ignorar possíveis reações negativas, entregando para um público fiel exatamente aquilo que ele mais gosta. Desde o seu primeiro longa-metragem, o icônico e surpreendente Mangue Negro (2008), Aragão reúne temáticas ambientais, políticas, sociais e sobrenaturais, amalgamando-as a lendas urbanas e tradiçoes folclóricas da cultura brasileira, o que não deixa de ser diferente em Prédio Vazio, seu mais novo filme que chega aos cinemas neste dia dos namorados (12), mas que aparenta possuir um tempero especial, capaz de potencializar sua linguagem e torná-la igualmente interessante até para quem desconhece sua obra, ou para aqueles espectadores que encontram dificuldade em digerir o bom e velho cinema trash oitentista e noventista, mas apreciam um enredo altamente preocupado com seus personagens que consegue criar uma imersão narrativa que faz o público tomar suas dores e torcer para que tudo dê certo.
Neste terror urbano, no qual Rodrigo Aragão desenvolve um cenário de fantasia para reproduzir as lendas aterradoras, especialmente para quem vive em cidades verticais, da melhor maneira suburbana – claro que, aqui, aplicada propositalmente e com maestria -, o cineasta se sente ainda mais à vontade em explorar o imaginário da sua cidade natal, Guarapari, no Estado do Espírito Santo. Existe uma evidente relação de afeto entre Aragão e sua terra que o faz extrair o máximo de conteúdos funcionais para o gênero terror e utilizá-los sem medo na narrativa. A ideia de desenvolver uma produção artesanal que homenageia clássicos que vão de Suspiria e A Mansão do Inferno, de Dario Argento, a O Iluminado, cujo o elevador captado por diversas vezes pelas câmeras trêmulas e de enquadramentos tortos fazem evidentes referências ao assustador hotel do icônico filme de Stanley Kubrick, é aplicada com entusiasmo, gerando conexões louváveis com a estética do diretor. Seria enxugar gelo destacar as óbvias, porém sempre bem-vindas, influências ao mestre maior do cinema de horror brasileiro, José Mojica Marins, o saudoso Zé do Caixão, em Prédio Vazio, assim como em todas as obras de Rodrigo.

A redação do filme surpreende ao inserir em uma história, que engana quem pensava que iria se deparar com mais uma lenda urbana de lugares amaldiçoados, a temática da proteção materna que conecta suas duas protagonistas, Luna e sua mãe, e ainda cria um mistério, bem elaborado e apresentado através de flashbacks, que envolve traumas e conflitos. O controle e a obsessão por poder, mesmo sem grande evidência, é aqui um artifício utilizado para ilustrar a personalidade cruel da antagonista, Dora, interpretada por uma Gilda Nomacce intimidadora e altamente imersiva na sua personagem. A jovem e já experiente atriz Lorena Corrêa entrega uma protagonista interessante e repleta de mistérios, mas com uma naturalidade fora do comum em filmes de horror, como se o público tivesse uma conexão com sua personagem, de tanto que sua intérprete, assim como Nomacce, se jogou para a personagem. Sua química com Caio Richard, outro artista que está tão à vontade em seu personagem que sentimos medo por ele, é também um ponto de extrema importância, já que não é uma tarefa fácil criar um casal simpático e natural em filmes de terror. Temos também a imponência de Rejane Arruda, que dá vida à mãe desaparecida de Luna com excelência, atribuindo também à sua personagem as melhores expressões de pânico e ódio vistas no longa.
O abuso de excessos estéticos como técnica formal e narrativa, que variam de inclinação holandesa, imagens altamente saturadas e criadas artificialmente, edições que evidenciam a ameaça eminente das assombrações no edifício e enquadramentos que valorizam o horror escondido nas sombras e no canto da sua visão periférica (teoria essa que rende um dos melhores momentos de todo o filme), esbanjam autenticidade e entretenimento de qualidade, em Prédio Vazio, graças aos trabalhos de fotografia de Alexandre Barcelos e direção de arte de Priscilla Huapaya, capazes de transformar, de forma espantosa, o cenário paradisíaco e ensolarado de Guarapari em imagens que parecem ter saído de nossos piores pesadelos, além da edição bem coordenada e montada por Thiago Amaral.

A direção de efeitos visuais especiais, também sob a condução de Rodrigo Aragão, é um espetáculo à parte, não fazendo diferente ou aquém de suas produções anteriores, mas, dessa vez, trazendo uma moderação até compreensível, já que a narrativa entende a necessidade de abrir espaço para o drama e não sufocar o público com as insanidades visuais do cineasta. Porém, em seus momentos de clímax, Prédio Vazio esbanja maquiagens com próteses, (muito) sangue falso, imagens sobre imagem e jogos de luz e sombras.
Suburbano na medida certa, onde o mau gosto é utilizado para saciar a sede de sangue, violência e medo dos devotos do cinema artesanal de Rodrigo Aragão, Prédio Vazio, por outro lado, também consegue ser o seu filme mais acessível para curiosos que estão embarcando, pela primeira vez, na mística e criativa jornada fantasiosa do cineasta. Talvez, Aragão tenha criado aqui sua maior obra, repleta de nuances, bons personagens, ambientação louvável e um desfecho capaz de nos deixar boquiabertos e observar, com mais cuidado, o que de fato conseguimos enxergar nos cantos e nas sombras.