sáb, 10 maio 2025

Crítica | Premonição 6: Laços de Sangue

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Toda geração tem sua franquia de terror marcante. Nos anos 1980, fomos impactados por A Hora do Pesadelo, Sexta-Feira 13 e o clássico Halloween. Na década seguinte, foi a vez de Pânico redefinir o gênero com metalinguagem e ironia afiada. Já na minha geração, foi Premonição que assumiu esse papel — uma franquia responsável por enraizar o medo em muitos jovens como eu. Premonição ocupa um lugar peculiar dentro do terror: o absurdo inserido no cotidiano. Ao contrário de tantas outras séries que envolvem assassinos mascarados ou entidades sobrenaturais, aqui o horror vem da banalidade — e é justamente isso que o torna tão perturbador. As mortes não apenas chocam; elas transformam objetos ordinários em ameaças letais. Não à toa, Premonição 3 me deixou com pavor de montanhas-russas até hoje.

É nesse terreno do familiar que o pavor floresce. Enquanto em Pânico o medo está no mascarado que pode te atacar a qualquer momento, e em Sexta-Feira 13 o erro é estar no lugar errado na hora errada, em Premonição não há escapatória: a Morte simplesmente decide que chegou sua vez — e isso pode acontecer da forma mais estúpida, criativa e inesperada possível. Uma moeda, um fio solto, um copo d’água. Tudo pode ser o gatilho. Premonição 6 segue fiel a essa lógica: uma experiência que nos faz sair do cinema paranoicos, atentos a cada detalhe do mundo ao nosso redor. É um medo lúdico e divertido — e é justamente nessa mistura de tensão e riso nervoso que o filme encontra sua força. Poucas franquias conseguem transformar o cotidiano em um campo minado com tanto estilo.

O filme constrói imageticamente um gore gráfico de impressionante realismo — um realismo irônico, quase sarcástico, que nasce justamente do absurdo das mortes encenadas. Há uma tensão curiosa entre a brutalidade visual e a comicidade involuntária dos acidentes, criando um equilíbrio que casa perfeitamente com o tom que a narrativa escolhe sustentar. A decupagem, em muitos momentos, recorre a soluções genéricas do cinema de terror contemporâneo. Ainda assim, há um formalismo interessante no modo como a câmera se posiciona — quase sempre assumindo o ponto de vista da própria Morte. Essa Morte — silenciosa, paciente, inevitável — transforma tudo ao nosso redor em ameaça. A mise-en-scène do filme compreende bem isso, e articula sua decupagem com um certo formalismo eficiente: mesmo quando a direção recorre a convenções visuais, há sempre um gesto que sugere a presença invisível que comanda os eventos. Estamos assistindo pela perspectiva de algo que espera. E essa espera, ainda que silenciosa, grita.

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Essa escolha confere ao filme uma camada adicional de tensão: somos testemunhas impotentes do inevitável. O olhar da Morte é clínico, calculado — e a mise-en-scène sabe sugerir isso com precisão. Não há escapatória, nem ilusão de controle. Apenas a certeza de que, mais cedo ou mais tarde, algo banal se tornará fatal. É justamente diante dessa passividade — desse lugar em que nada podemos fazer — que nossos sentimentos se tornam ativos, e o suspense assume o verdadeiro protagonismo. Premonição 6 funciona como um estudo quase laboratorial sobre a tensão cinematográfica. Não se trata apenas de aplicar fórmulas do gênero: o filme se estrutura sobre o próprio conceito de suspense. Ela não o utiliza como recurso, mas como linguagem-matriz.

E o que é o suspense, senão a arte da suspensão? Suspensão das sensações, dos afetos, do tempo. Um jogo cruel em que a obra nos entrega uma informação essencial — uma tragédia anunciada —, mas nega a qualquer custo o momento da concretização. O longa brinca o tempo inteiro com isso. Aponta o perigo, mostra o objeto letal, acende o pavio… mas nunca nos revela quando a explosão virá. A tensão, então, deixa de ser um artifício e passa a ser uma atmosfera. Como espectadores, sabemos demais. E esse excesso de saber nos paralisa. Alfred Hitchcock já dizia: “Se o público sabe que há uma bomba debaixo da mesa, mas os personagens não sabem, temos suspense”. Em Premonição 6, essa lógica é elevada a um nível quase sadista — somos sempre os primeiros a compreender o que vai acontecer, mas os últimos a poder agir. A impotência nos corrói.

Premonição 6 entende perfeitamente esse jogo. Há momentos de pura precisão formal, em que a câmera foca um objeto comum — uma vassoura, uma ferramenta, uma peça solta — e, ao insistir nesse close, nos obriga a imaginar o desfecho. Mas ele nunca vem rápido. A imagem se alonga, o tempo se estica, e ficamos presos naquele segundo que parece eterno. É um tipo de tortura psicológica que só grandes filmes de tensão conseguem operar com esse grau de autoconsciência. O terror não vem do que é mostrado, mas do que se espera ver, é o olhar em estado de vigilância.

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No fundo, o horror de Premonição não está apenas na morte em si, mas na quebra da nossa ilusão de controle. Somos seres que desejam decidir. Planejar. Evitar. Quando uma narrativa nos obriga a encarar o fato de que não importa o quanto saibamos — o destino virá —, algo em nós se rompe. O terror aqui é esse: saber e não poder mudar. O suspense, portanto, não é só uma ferramenta narrativa, é uma condição humana colocada em estado de pânico. Premonição 6 renova essa proposta com humor, sangue e ironia. E compreende profundamente o que faz da franquia algo tão duradouro: sua capacidade de tornar o trivial em tragédia. De transformar uma xícara, uma moeda ou uma cortina de chuveiro em sentença de morte. É o terror do banal. E o banal, por estar sempre à nossa volta, nos persegue mesmo depois que a sessão acaba.

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Caique Henry
Caique Henryhttp://estacaonerd.com
Entre viagens pelas galáxias com um mochileiro, aventuras nas vilas da Terra Média e meditações em busca da Força, encontrei minha verdadeira paixão: a arte. Sou um apaixonado por escrever, sempre pronto para compartilhar minhas opiniões sobre filmes e músicas. Minha devoção? O cinema de gênero e o rock/heavy metal, onde me perco e me reencontro a cada nova obra. Aqui, busco ir além da análise, celebrando o impacto que essas expressões têm na nossa percepção e nas nossas emoções. E-mail para contato: [email protected]
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