
Algumas semanas atrás, chegou aos cinemas Código Preto, um exercício de Steven Soderbergh dentro do gênero de espionagem. Sem a intenção de reinventar a roda, o cineasta compõe sua narrativa de maneira dramatúrgica e estética que evidencia um entendimento da posição de sua obra dentro da história do cinema. Soderbergh possui uma habilidade rara de transitar entre diferentes gêneros, nem sempre entregando grandes sucessos, mas mantendo um interesse constante na experimentação e na exploração da própria linguagem cinematográfica. Agora, menos de um mês depois, mais um longa-metragem seu chega às telas: Presença. Desta vez, o diretor se aventura pelo território do terror e do suspense, conduzindo uma narrativa que se desenrola a partir de uma presença misteriosa dentro da casa para onde uma família acabou de se mudar. Com um forte apelo atmosférico, Soderbergh parece mais uma vez interessado em se testar como cineasta.
À primeira vista, a trama parece seguir um roteiro simples, semelhante ao de qualquer filme de horror genérico dos últimos anos. No entanto, Soderbergh demonstra pouco interesse em se aprofundar no gênero. Embora haja algumas movimentações de objetos típicas do sobrenatural, o diretor parece mais focado no drama do luto que envolve a família. Esse é o primeiro aspecto que o diferencia dentro do subgênero: em vez de tratar o luto apenas como uma justificativa para os eventos sobrenaturais, ele o transforma no cerne dos conflitos dos personagens. Isso não significa que o filme se propõe a um estudo aprofundado ou a uma abordagem filosófica do tema, mas sim que utiliza o luto como motor para os atritos que impulsionam a narrativa.

Ou seja, se o conteúdo não se destaca pela profundidade – e menos ainda pela inovação –, o cineasta concentra seus esforços na forma, buscando, assim, criar, de fato, uma presença. A solução encontrada é transformar a própria câmera nessa “presença”. Desde a primeira cena – que estabelece o ponto de vista central do filme –, acompanhamos o olhar desse fantasma, dessa entidade que percorre toda a casa, tornando o próprio espaço um personagem por si só. A abordagem sugere que o fantasma no cinema está diretamente ligado às escolhas formais e à capacidade de engajar o espectador por meio do uso do dispositivo cinematográfico.
Em outras palavras, a câmera comandada por Soderbergh assume um papel observacional, um olhar meticuloso voltado para o melodrama – cujo motivo dessa atenção se revela ao final. No entanto, essa abordagem visual caminha lado a lado com um rigor técnico evidente. Aqui, ressurge a velha dicotomia entre forma e conteúdo, da qual a crítica, em algum momento, precisa se desapegar. Se, por um lado, o conteúdo, ainda que simples, consegue instigar dentro dos moldes do melodrama, por outro, a forma se apresenta como uma experimentação válida sobre como traduzir a ideia de fantasmagoria no cinema.
Dessa forma, se o terror é um gênero em constante reformulação — especialmente no que diz respeito a jumpscares e visuais soturnos —, Soderbergh enfatiza as movimentações paranormais por meio da trilha sonora dramática, fazendo com que o terror se instale no próprio ato de olhar. Quando, então, se revela o dono desse olhar, toda a abordagem se amarra ao fundamento essencial dos melodramas: o páthos, ou seja, a construção da empatia em torno dos acontecimentos. Ainda que haja certa irregularidade na condução, é sempre relevante destacar o trabalho de um cineasta que não apenas utiliza a imagem como instrumento narrativo, mas que desperta um interesse por ela em sua totalidade.