Longa-metragem de estreia do realizador Felipe Carmona, Prisão nos Andes (Penal Cordillera) retrata o cárcere luxuoso dos cinco cruéis torturadores da ditadura de Pinochet, aos pés da cordilheira dos Andes, onde os guardas são tratados como empregados. A tranquilidade do local é abalada quando uma equipe de televisão entrevista um dos internos, cujas declarações geram um impacto inesperado.
Tristes e, ao mesmo tempo, oportunas, as referências dos governos ditatoriais sombrios enfrentados por países latino-americanos vêm influenciando cada vez mais o cinema destes, com obras que, em sua maioria, refletem sobre os resquícios de um passado de medo e dor cujo as feridas provocadas pelos seus crimes continuam abertas. O Chile, como um dos países com anos de chumbo mais sangrentos, está sempre atualizando seu catálogo de produções com releituras criativas e dramáticas sobre aquela época e Prisão nos Andes (Penal Cordillera), coprodução chilena-brasileira que chega aos cinemas neste dia 19 de setembro, é um dos mais recentes exemplos de como a sétima arte desse país está comprometida em extrair de fatos históricos conceitos clássicos e modernos de se fazer arte.
Em sua estreia como diretor de um longa-metragem, Felipe Carmona encara um árduo desafio de explorar um tema de extrema delicadeza que persiste na memória de muitos chilenos: o trauma social pós-Pinochet. Para ilustrar esse mal e torná-lo ainda mais aterrador, fez-se da história de Prisão nos Andes uma metáfora sobre poder e a influência deste. A narrativa do filme, bem idealizada e desenvolvida entre pontos positivos e medianos pelo próprio Carmona, se passa em uma luxuosa prisão entre a Cordilheira dos Andes, onde os 5 generais do regime ditatorial chileno vivem em condições que se assemelham mais a um resort do que a uma prisão, onde os guardas e funcionários são tratados como meros empregados e até treinados militarmente. O longa retrata a mordomia e ausência de remorso de Manuel Contreras, Miguel Krassnoff, Odlanier Mena, Marcelo Moren Brito e Pedro Espinoza ore de maneira satírica, ora sob um olhar aterrador e fechado, se assemelhando a um terror psicológico sufocante e imprevisível.
Ao revelar a insistência desses antigos militares em não reconhecer seus crimes contra a humanidade e a crença de que seus respectivos cumprimentos de ordens eram somente exercícios de seus ofícios, o filme procura mergulhar no curioso e utópico conceito da anistia autoimposta, refletindo na crueldade de seus personagens. Ainda assim, a história não consegue atingir uma profundidade necessária, preferindo se manter no raso e seguro básico, com um aparente objetivo de evitar tempestades ou até conclusões precipitadas de um público que desconhece o período história que continua tocando nas feridas abertas do Chile. Entretanto, é possível afirmar que a ideia é levada adiante, em uma execução que comprometida em extrair de fatos históricos debates reais e atuais, mesmo de maneira lenta. Prisão nos Andes, mesmo atingindo um clímax sustentável a partir do momento que a entrevista responsável por gerar todo o conflito e tensão do longa, ainda é subdividido entre dramas pessoais dos próprios antagonistas, que estabelece uma interessante e perigosa amálgama entre sensibilidade e absurdos, e uma história pouco explorada, porém bem idealizada, do guarda Navarrete (interpretado pelo jovem ator Andrew Bargsted), que espelha a continuidade da influência de antigas figuras de poder sob uma população que conhece apenas o lado da história que lhe convém.
Apesar do ritmo lento que se estende até o segundo ato, Prisão nos Andes revela aos poucos seus conceitos provocativos e essenciais para gerar um desconforto necessário e os inúmeros debates quanto às suas temáticas. O longa conta com um curioso uso de violência gráfica e de estilos cinematográficos clássicos e pós-modernos para ilustrar a naturalidade que os personagens possuem ao dissertarem seus métodos de barbárie, além de utilizar diálogos crus que esbanjam a falta de empatia e também funcionam como estudos desses antagonistas, brilhantemente interpretados por: Hugo Medina (Contreras), Bastián Bodenhöfer (Krassnoff), Alejandro Trejo (Mena), Mauricio Pesutic (Moren Brito) e Óscar Hernández (Espinoza).
Ilustrado por uma direção de fotografia estática que ostenta planos longos e bem enquadrados em planos ora abertos, que destacam a bela paisagem dos Andes, ora fechados que influenciam no tom claustrofóbico da narrativa, o longa-metragem apresenta uma tonalidade fria e monocromática, remetendo a situação pesada mostrada pela narrativa. A trilha sonora estridente de um compilado de clássicos da música erudita também contribuem para a atmosfera estranha de Prisão nos Andes.
Como uma genuína obra de terror psicológico, misturada com o drama histórico e os absurdos de uma comédia de tragédias, Prisão nos Andes cumpre bem seu papel e, mesmo não aprofundando em seu discurso poderoso diante de tantas oportunidades, consegue despertar questionamentos sobre o real funcionamento da impunidade e como mentes narcisistas e autoritárias conseguem subvertê-la.