qua, 11 dezembro 2024

Crítica | Queer

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Na minha crítica sobre Rivais, escrevi que o cinema de Guadagnino é composto, em sua essência, pela atenção aos corpos em cena. Obviamente Queer, segundo longa-metragem do diretor esse ano, não escapa a essa regra. Mas o que acontece aqui é um passo além dos aspectos sensoriais que o cineasta vem trabalhando nos últimos anos: ele consegue fazer de Queer uma experiência se não espiritual, perto disso; ele metamorfoseia o filme em forma para que a intensidade dos sentimentos escape do mero desejo carnal e transcenda para algo tão grandioso quanto o céu estrelado onde pode-se enxergar o universo.

Inspirado no romance de mesmo nome, de William S. Burroughs, lançado em 1985, o filme é ambientado na Cidade do México na década de 1940, acompanhando um expatriado americano rejeitado, Lee (Daniel Craig), que se apaixona por um homem mais jovem, Eugene (Drew Starkey). Guadagnino constrói a relação entre ambos, inicialmente, no desejo através do olhar, na ideia de que aquele rapaz é inalcançável, aos moldes do que Luchino Visconti fez em Morte em Veneza ou Eric Rohmer em O Joelho de Claire. Mas se nesses clássicos filmes essa vontade era representada pela mudança de planos – ou seja, um personagem olhava e o corte direcionava para onde ele olhava –, Guadagnino utiliza as possibilidades de unir a realidade e o desejo através de sobreposições.

Se Lee deseja recostar sua cabeça no ombro de Eugene, o cineasta sobrepõe a imagem do desejo sobre a imagem da realidade (vide exemplo abaixo), funcionando tanto como uma possibilidade como uma forma de ligar esses personagens telepaticamente – palavra esta usada em diversos momentos do longa. A relação, então, se constrói na possibilidade e quando a concretização acontece, numa das cenas de sexo mais bonitas dos últimos anos, ela se dá através dessa atenção ao palpável, ao que é particular, em meio a extensão da cidade.

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Todo o desenvolvimento de Lee, nesse processo de paixão e aceitação a uma possível rejeição de Eugene, faz com que Craig se destaque naquela que talvez seja sua melhor interpretação – assim como, particularmente, considero a melhor do ano. Nesse desejo que o consome, o ator caminha entre o firme e o vulnerável. Drew Starkey, por sua vez, como esse objeto de desejo e, ao mesmo tempo, lutando com e contra, incorpora esse homem que é uma imagem – e a câmera de Guadagnino usa a fotogenia do ator como ferramenta de fascinação – mas também é o real.

Nessa dupla relação, o filme caminha para seu segundo momento, onde a realidade e o espiritual passam a se fundir com mais frequência. Inspirando-se em Jean Cocteau e Luis Buñuel, o cineasta italiano apropria-se de algumas ferramentas do surreal imagético para compor os sentimentos vastos que existem dentro de Lee. O surrealismo surge nesse meio entre o estar acordado e o estar dormindo, entre a realidade e o sonho, na elocubração da imaginação em detrimento do real e Queer, da sua forma, coloca seu protagonista vivendo em meio a esses dois estados, entre drogas e bebida, o amor surge como a única certeza que une essas dicotomias.

A partir de pouco mais de uma hora de filme, o longa torna-se uma viagem literal e metafórica para o interior do protagonista vivido por Craig. Na busca pelo outro, Lee (e Guadagnino, por consequência) passa a entender que o amor não é apenas o toque (Me Chame pelo Seu Nome), o paladar (Até os Ossos) ou o olhar (Rivais), mas é a junção de tudo isso através da transcendência, de colocar o coração ao mundo e permitir que ele pulse dentro e fora do corpo, de fundir os corpos carnalmente e espiritualmente.

O amor, em Queer, não é apenas o que se sente ou o que se experimenta em momentos de êxtase, mas um movimento constante, uma dança entre corpos e almas, uma troca de energia que vai além da superfície, que nos transforma, nos desconstrói e nos reconstrói. Lee não busca apenas por completude, mas por transcendência, por algo que pode o levar a uma dimensão maior de existência, onde ele pode se tornar simultaneamente mais inteiro e mais consciente de si e do outro. Os corpos, assim, se revelam como uma força inevitável e irreversível que pulsam amorosamente, permitindo que esse sentimento os ultrapasse e os transforme, que os faz lembrar de quem foram, quem são e quem poderão ser. No final, além de um quarto numa cidade mexicana, o que resta é o amor.

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