seg, 23 dezembro 2024

Crítica | Quo Vadis, Aida?

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O primeiro plano de Quo Vadis, Aida? mostra os dois filhos e o marido de Aida (Jesna Djuricic) olhando para ela em uma espécie de resgate a um passado distante. A cena carrega uma aura espiritual, evoca uma sensação de elementos que não pertencem mais ao espaço mostrado e segue como um contato passageiro diante de um pequeno respiro de lembranças. Evidencia uma tragicidade anunciada por meio de uma saudade existente.

O filme nos coloca no ano de 1995, mostrando que a história se passaria durante o massacre de Srebrenica, um dos mais brutais acontecimentos da guerra da Bósnia, onde mais de 8 mil bósnios foram executados e enterrados em valas pelo exército sérvio. Aida trabalha como intérprete para as forças militares da ONU (Organizações das Nações Unidas) que estão no país como meio intermediário nas negociações. A presença de uma organização intergovernamental (mediada por soldados holandeses da Força de Paz) em meio a um conflito territorial e ideológico, assim como a crise humanitária, se mostra de forma desumana e autoritária – atua como uma desconstrução dessa imagem altruísta.

A diretora Jasmila Zbanic compreende o momento histórico conturbado como uma exposição de um fragmento da época, nos localizando dentro da base onde as forças militares da ONU atuavam. Se situando no meio do desespero dos civis e das condições insalubres oferecidas pelo exército, Zbanic procura uma aproximação direta com aquelas pessoas que seriam um “pano de fundo” da história. Os momentos que busca colocar uma câmera livre entre o povo esfomeado esperando receber um pedaço de pão, ou então resolve mostrar os que ficaram do lado de fora da base, acompanhando lentamente cada ação individual, fornece uma sensação de humanidade que vai além de uma representação superficial de quem sofreu naquele tempo.

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Diante de condições adversas, a angústia leva Aida a usar de sua posição dentro da base para conseguir salvar seus filhos Hamdija (Boris Ler) e Sejo (Dino Bajrovic), e seu marido Nihad (Izudin Bajrivic). É interessante como o filme não parte para um solução grandiosa da personagem tentando salvar seu povo. O que acontece é uma tentativa de sobrevivência que conduz para um certo tipo de egoísmo moral de cuidar apenas dos seus. Aida privilegia seus familiares sem pensar quais consequências poderiam ter para eles e os que estão em volta – é compreensível o comportamento, mas deixa bem claro como nessas horas apenas alguns conseguem ter o acesso que deveria ser para todos.

Se por um lado a abordagem realista de sua personagem convence, os clichês melodramáticos de guerra fazem o papel de retirar a atmosfera que antes era palpável. Apesar de tratar o tema com uma seriedade convincente, todo o núcleo de soldados adquire um desempenho bem caricato e pouco expressivo, apelando em alguns momentos para execuções que beiram a comicidade. A falta de desenvolvimento mediante ao ápice da situação que representa uma das maiores falhas da ONU pouco tem seu espaço prático para dialogar com as diversas denúncias que aponta, transformando toda a situação em um contexto armado que irá resultar em um suspense de fuga. O foco se volta todo para a família de Aida e os outros civis viram apenas um material de composição.

Quando resolve fechar este capítulo da história, Zbanic retorna ao passado para dar algum tipo de conforto aos que tiveram seus parentes arrancados por uma falta de posicionamento da ONU. Aida procura a ossada de seu marido e filhos com o pesar de alguém que ficou enquanto outros se foram. Os que invadiram suas casas e mataram seus conterrâneos agora dividem o mesmo espaço e seus filhos frequentam a mesma escola. Enquanto tenta se adaptar, o que resta é viver de uma lembrança distante. Impossível não relacionar esses momentos com os milhares de mortos e desaparecidos durante a ditadura militar, em 64. Por mais que alguns tentem esconder esse período terrível da nossa história, outros mentem a memória viva daqueles que não puderam ser enterrados por suas mães.

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Gabriel Lunahttp://estacaonerd.com
Jornalista que se aventura no mundo da crítica de cinema. Gosto de café e filme em preto e branco.
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