seg, 25 novembro 2024

Crítica | Retratos Fantasmas

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O documentário Retratos Fantasmas, do consagrado cineasta Kleber Mendonça Filho, mostra que, como em tantas cidades do mundo ao longo do século XX, milhões de pessoas foram ao cinema no centro do Recife. Com a passagem do tempo, as ruínas dos grandes cinemas revelam algumas verdades sobre a vida em sociedade. 

A cidade está em constante transformação. À medida que o tempo passa, mudanças se desenvolvem pela busca incessante do progresso, tornando paisagens, monumentos e até pessoas meras lembranças, conhecidas pelos mais jovens somente através de registros fotográficos ou filmados. Tal como fez nos sucessos “O Som Ao Redor” (2013) e “Aquarius” (2016), Kleber Mendonça Filho, um entusiasta da preservação da memória, mostra agora no documentário Retratos Fantasmas conexões verdadeiras com o Recife, destacando não só sua saudosa relação com a antiga casa de sua mãe ou com os extintos cinemas de rua da cidade, mas também como a lembrança é impactada pelas metamorfoses provenientes do futuro e como o registro tornam vivos os fantasmas do passado.  

Decidido em desenvolver a sábia ideia de abordar um tema nostálgico pessoal, Kleber encontra em Retratos Fantasmas uma maneira assertiva de despertar no público recifense uma sensação de conforto ao se deparar com registros de lugares marcantes que não existem mais, do saudoso e polêmico cine Art Palácio e seu “irmão” Trianon até a recordista livraria Livro 7. O público de fora da capital pernambucana também é altamente impactado, devido ao contexto bem apresentado e pelo ato de o filme, apesar de se estabelecer no centro do Recife, representar inúmeras outras cidades que histórias e lembranças guardadas pelos seus habitantes. A divisão do documentário em 3 partes que se complementam com maestria – sendo a primeira focada na antiga casa e a vizinhança do cineasta (cenário de muitos de seus trabalhos), a segunda centrada nos cinemas de rua que fizeram a história da capital pernambucana e a terceira contendo metáforas que relacionam as saudosas salas de exibição de filmes a templos -, é uma incrível façanha do roteiro, também assinado por Mendonça, em o início, o meio e o fim do longa a senimentos únicos de quem viveu em lugares acolhedores e sente falta disso, chegando a justificar o porquê da reunião de tantos arquivos para compor a obra, que é considerada, até pelo próprio realizador, um “álbum de família da cidade”.

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Imagem: Vitrine Filmes/Reprodução

A reunião de imagens partem do extenso acervo pessoal de Kleber Mendonça Filho, que utiliza interessantes registros que vão da sua juvenude, mostrando o processo de criação de seus primeiros filmes, até às produções de sua autoria de mais sucesso gravadas na área de Setúbal, no bairro de Boa Viagem (Zona Sul do Recife), assim como também são reunidos documentos de extremo valor da Cinemateca Brasileira, Fundação Joaquim Nabuco, Centro Técnico Audiovisual, além de registros pessoais de amigos, conhecidos, moradores do Recife com histórias para contar e amigos cineastas que emprestaram belos registros de suas filmagens. Há em Retratos Fantasmas um sucinto trabalho de edição, por parte de Matheus Farias, que reúne com precisão as imagens, ligando elas aos tons narrativos que o filme proporciona, acenando para o melancólico, o irônico e até para o suspense, fazendo também um excelente uso na narração espontânea e bem explicativa de Kleber Mendonça.

Chega a ser clichê, ou até mesmo repetitivo, exaltar aqui neste texto o detalhismo na pesquisa realizada para a produção de Retratos Fantasmas. Qualquer Recifense que tenha vivido as eras de ouro das magníficas salas de cinema da cidade vai se emocionar ao reviver o auge de lugares como o Art Palácio, Trianon, Cine Teatro Moderno, Eldorado, Boa Vista, Polytheama, o Cinema São Luiz (que resistiu ao tempo, mas, atualmente, encontra-se fechado para reforma) e, talvez o mais sentido pelo próprio Kleber Mendonça Filho, o Veneza. Dos letreiros luminosos desses prédios a suas ruínas, muito pôde ser extraído do comportamento do Recife e do Brasil por várias décadas, como durante a ditadura militar e no início da década de 1990, quando os shoppings da Zona Sul ofuscaram o centro, gerando a decadência dos cinemas autênticos.

A conexão de Retratos Fantasmas com a batalha para evitar o esquecimento e preservar a história do Recife é feita de modo sincero, com provas, argumentos e, principalmente, sentimentos. O documentário ainda encontra um momento para fazer, ao final de sua projeção, inteligentes associações metafóricas aos temas tratados durante seu desenvolvimento, contando com um segmento divertido e bem escrito estrelado pelo próprio diretor e pelo ótimo ator Rubens Santos.

Sempre bem acompanhado da produção de Emilie Lesclaux para a CinemaScópio Produções e acoprodução e distribuição da Vitrine Filmes, de Silvia Cruz e Felipe Lopes, Kleber entrega em Retratos Fantasmas uma carta de amor à sétima arte, às suas lembranças pessoais e à memória do Recife. É impossível não querer dar uma volta pelo centro da cidade, ou apreciar uma obra cinematográfica dentro de um dos saudosos cinemas de rua da capital pernambucana, após uma sessão do documentário.

Trailer oficial do filme
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