dom, 22 dezembro 2024

Crítica | Rivais

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Corpos. Essa sempre foi uma palavra importante no cinema de Luca Guadagnino. Pensemos, por exemplo, em um dos seus filmes mais importantes: Me Chame pelo Seu Nome (2017). A centralidade ocupada pela forma que tanto Oliver (Armie Hammer) e Elio (Timothée Chalamet) caminham por aquele espaço no verão italiano, como o toque e o calor fazem parte de uma sensação de desejo fazem do filme um encadeamento de cenas em que a paisagem é os corpos masculinos. Em Até os Ossos (2022) essa ideia do corpo foi levada ao limite máximo, com seus dois protagonistas se alimentando da carne do outro, não como um ato de violência, mas de amor. O ato de amar é inerente, irrefreável, compartilhável. O amor, tão terno e possível, torna-se tão exposto quanto às vísceras que pertencem ao extracampo da imagem. Logo, em Rivais (2024), seu novo filme, a mesma centralidade corporal pode ser encontrada, mas focada não tanto no tato ou no paladar como nos filmes mencionados, mas no olhar.

Isso fica claro nos primeiros segundos do longa-metragem. Em close-ups em câmera lenta, os três protagonistas – Tashi (Zendaya), Patrick (Josh O’Connor) e Art (Mike Faist) – parecem se encarar e nos encarar. Nos tornamos, de alguma forma, cúmplices de uma relação que se constrói e se desconstrói, que sugere e omite, mas que deixa explícita a natureza sexual de suas trocas. Se em uma partida de tênis a tensão está sempre latente a cada nova batida da bola na raquete, as relações entre esses três personagens partilham dessa mesma base. Tashi, Patrick e Art comunicam-se não apenas por meio de palavras ou ações durante seus diálogos, ou, principalmente, nos jogos, mas também através dos olhos. Cada piscar, cada desvio de olhar, cada fixação prolongada conta uma história, revela um desejo, oculta um segredo. Tomemos como base o diálogo dos personagens na praia ainda na juventude e como o momento é encenado e decupado, isto é, montado.

O interesse de Art e Patrick em Tashi é óbvio desde o primeiro momento que eles a veem. Durante uma festa, a aproximação é inevitável, assim como a evidência desse desejo. À beira-mar, o trio de protagonistas conversam sobre seus respectivos futuros, quando Tashi deixa claro que uma partida de tênis é um relacionamento. O grifo a essa palavra é importante, pois ela indica alguns caminhos tomados pelo projeto. Ainda que os três estejam em planos distintos da imagem, a forma que eles se observam e se registram se dá pela entrega de cada uma das linhas do diálogo, como se elas fossem uma bola sendo jogada para o outro lado da rede e esperando um rebatimento à altura. Enquanto Patrick deixa claro seu tensionamento sexual por Tashi, Art se utiliza da linguagem do tênis para se aproximar com a mesma densidade. A forma como Tashi responde a cada uma dessas abordagens explica o comportamento dela durante o desenrolar da narrativa.

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A montagem, por sua vez, faz um trabalho que compreende essa cena como algo bem mais importante que o jogo de tênis em si, já que os três tenistas andam e conversam como se carregassem consigo suas raquetes. Numa estrutura que valoriza o close-up, o plano médio e o plano geral, a decupagem se estrutura no tensionamento desse diálogo fechando seus planos e no distensionamento dele abrindo a imagem. Por exemplo: se o tom do diálogo muda, Guadagnino opta por um plano aberto, mas quando se tem essa sedução por meio do diálogo, ele fecha seus planos e a montagem corta com a mesma celeridade que as respostas são dadas. O que se pode inferir dessa escolha e levando em consideração as partidas de tênis é que enquanto o flerte se dá pela emulação tanto estética quanto narrativa do tênis, o ato sexual em si é a própria partida e a forma que o cineasta imprime a visualidade exagerada.

Logo, cada momento em que Art e Patrick estão na quadra de tênis Guadagnino fecha seus planos no movimento dos corpos que não soam naturais, quase como se ele estivesse exercendo um estudo dos músculos e do suor, passeando pela corporalidade deles e pela sensualidade e tensionalidade que elas exercem no momento. Em outros termos, se estamos tensionados pela partida em si e pelo desfecho dela, também estamos sendo estimulados sensualmente pela forma que os corpos são filmados e pelos sons de gemidos que se entrecortam durante a imagem. Se o cinema posiciona historicamente o corpo feminino como aquele a ser observado, Guadagnino faz um filme em que o olhar feminino – e o cartaz do filme sublinha isso – observa o corpo masculino como essa possibilidade tanto de suspense quanto de erotismo. Para o cineasta, o sexo está nas quadras e o estímulo está na visualidade e ele faz isso sem qualquer pudor, caminhando pelo óbvio, mas se destacando pela imagética.

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