Os dois primeiros filmes de Rua do Medo, para quem gosta e para quem não gosta, funcionam baseados numa lógica de algoritmo da Netflix, tanto de um ponto de vista estrutural como de linguagem. O drama, a dosagem de violência gráfica, a intencionalidade inclusiva das protagonistas e mesmo a mitologia – tudo opera mais como um aspecto mais funcional e dinâmico do slasher. Neste terceiro e último episódio da trilogia, é curioso perceber como tudo o que há de mais limitador na ideia geral do projeto se repete, mas com tentativas genuínas de fazer tudo parecer mais engajante.
Na primeira metade, Rua do Medo: 1666 – Parte 3 faz o famigerado flashback que busca explicar as origens da maldição que assola os personagens dos dois filmes anteriores. A trama se desloca para o ano do título e acompanha Sarah Fier (também interpretada por Kiana Madeira) em seu romance proibido com Hannah Miller (novamente Olivia Scott Welch) que as leva às ruínas conforme as pragas começam a assolar o vilarejo onde vivem. Na segunda metade, o filme, naturalmente, vai retornando à cronologia original para concluir toda a saga, retomando os personagens e as situações do primeiro epidódio.
Provavelmente essa mudança para um outro período histórico fez com que a diretora Leigh Janiak, também responsável pelos outros dois filmes da trilogia, procurasse trabalhar com elementos um pouco mais particulares da condução do ritmo e da atmosfera. Ainda que tudo ainda tenha um semblante pasteurizado, como uma boa equação de A Vila (2004) com A Bruxa (2016), a primeira parte trabalha bem com a funcionalidade das interpretações – as atrizes a esta altura já estão muito bem familiarizadas com o tom de suas personagens – e com o terror em si (a melhor coisa de toda a saga, por exemplo, se encontra aqui na cena da igreja).
Mesmo a parte mitológica – genérica e demasiadamente levada a sério nos antecessores – encontra ecos interessantes aqui com o drama das duas personagens. O conflito propriamente não deixa de soar protocolar, ainda mais levando em conta que o espectador já está familiarizado com as interrelações entre aquelas personagens, mas ele ao menos consegue soar mais genuíno e intenso em 1666 do que com aquela pegada moderninha cheia de sacadas e tiradas dos 1994 e 1978.
Mas é frustrante que, na hora que tudo retorna ao original, o filme traga de volta tudo aquilo que a trilogia tem de mais limitador: discursos genéricos de planos em conjunto, punchlines altamente óbvias e resoluções previsíveis e domesticáveis. Não há problema em manter o espectador dentro de um lugar seguro na sua relação com o filme – os gêneros e subgêneros estão aí justamente para criar essa familiaridade confortável. O problema é você não buscar nenhum outro estímulo cinematográfico que fuja da expectativa do público e faça do mesmo cada vez mais passivo diante das convenções – como se “tivesse que ser isso e pronto”.
Ao menos, ao contrário do primeiro, há aqui alguma objetividade no trato com as monstruosidades. E é bem mais divertido acompanhar as resoluções dos protagonistas diante dos vilões do que acompanhar a construção desses. Mas a montagem paralela aqui (recurso que intercala duas situações acontecendo simultaneamente)trabalha à exaustão com essas colagens que parecem o tempo inteiro querer nos lembrar de quem é quem na história. E, francamente, em apenas três filmes de menos de duas horas ao longo de 21 dias, Leigh Janiak e a Netflix não precisavam desse expediente.