ter, 30 abril 2024

Crítica | Saltburn

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Saltburn é meu primeiro contato com o cinema de Emerald Fennell, no entanto com apenas dois filmes em seu currículo, já consigo perceber a especificidade de sua abordagem, revelando um autorismo aliado a uma ousadia provocativa fascinante. Embora esse texto se restrinja a Saltburn, é possível discernir uma marca autoral em Fennell que permeia seu fazer cinematográfico. A sua estilização se configura por meio de uma fusão harmoniosa de elementos visuais arrojados, uma narrativa impactante e uma abordagem sedutora que explora temas complexos. Inicialmente, em Bela Vingança, a cineasta direciona seu foco para um discurso de gênero em um suspense dramático. Por outro lado, em Saltburn, ela mergulha nas nuances das classes sociais, imersa em um thriller erótico. Essa transição, portanto, evidencia sua habilidade em contar histórias que abordam temas sociais, entrelaçados por uma subversão ácida e irônica.

O formalismo de Fennell se desvela em Saltburn por meio de escolhas estéticas deliberadas, onde a linguagem visual desempenha um papel crucial, especialmente na maneira como ela utiliza a paleta de cor e suas composições cuidadosamente planejadas para criar uma atmosfera visualmente intensa, em sintonia com as particularidades emocionais de seus personagens. Saltburn se destaca pela exuberância, extravagância e vivacidade que permeiam cada cena, características que refletem uma autoconsciência sutilmente inconsciente. Essa intensidade e vitalidade são expressas de uma maneira que parece natural e espontânea, sem esforço consciente, onde a localidade de Saltburn parece possuir uma energia vibrante que surge de maneira orgânica e não forçada, fazendo com que essa autoconsciência inconsciente possa indicar uma autenticidade nas expressões culturais daquele lugar. Essa abordagem, portanto, coaduna de maneira precisa com a vida da elite, que tem uma consciência de si exagerada e que exige uma impecabilidade constante.

Diante disso, a mise en scène de Emerald recai em uma ironia ácida tipicamente inglesa, introduzindo um humor marcado por um exagero linguístico que satiriza a elite britânica. A cineasta, por meio do humor e do impacto visual, subverte os super-ricos, ridicularizando-os, enquanto simultaneamente engaja o espectador em reflexões sobre o capitalismo tardio e o desejo obsessivo dos jovens contemporâneos pela riqueza inatingível. Esse humor absurdista, muitas vezes desafiador para o espectador, confronta-o com o mundo de maneira inteligente e humorística. O design de produção, por sua vez, não é apenas um pano de fundo, mas um elemento ativo na representação visual dessas contradições. Cada detalhe, cuidadosamente calculado, contribui para a ambientação que reflete tanto o artificial quanto o genuíno, criando uma atmosfera que ressoa com os elementos de desejo, obsessão e manipulação presentes na narrativa. Até mesmo os absurdos (que são muitos) visuais dos personagens amplificam essa experiência. Fennell utiliza esses elementos de maneira estratégica, desafiando e oferecendo ao espectador um espelho distorcido, porém revelador, de aspectos complexos da sociedade e da psique humana.

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Saltburn é um filme sobre as contradições, delineando um cenário onde o moderno conflita com o clássico, o desejo rivaliza com a moral e a verdade embate-se com a manipulação. Nesse contexto, Fennell concebe uma obra profundamente enganadora e, acima de tudo, exploratória. Seus enquadramentos, a forma como ela brinca com os planos e com a linearidade dos acontecimentos são cruciais na construção desse universo contraditório, padronizado e, ao mesmo tempo, repleto de falhas. Noto uma incrível habilidade em Emerald ao tornar palpável essa tapeçaria de contradições para o espectador. Ao ponto de que o ele (nós) entre em conflito consigo mesmo. A realidade é que Fennell explora todas as potencialidades do cinema, estabelecendo um diálogo com o espectador de diversas maneiras, as quais me vejo incapaz de descrever completamente por meio das palavras. É a singularidade que o cinema e os talentosos diretores possuem para narrar suas histórias, utilizando expressões que só a subjetividade do espectador pode verdadeiramente “compreender”. Portanto, assim como você, leitor deste texto, eu sou apenas um observador passivo que mergulhou em Saltburn e diante de tanta estilização e virtuosismo, senti-me manipulado, ludibriado e repulso por tudo aquilo, mas, ironicamente, desejei ardentemente aquele mundo de ostentações e excitações. Dessa forma, experimentei uma sensação de conflito, de contradição, onde minha balança moral nunca esteve tão instável. Aprecio como Emerald Fennell faz com que cada elemento que atinge o espectador provoque esse embate interno, seja a música, as cores vibrantes, ou o brilho exuberante das joias. Tudo acentua as sutilezas (ou não tão sutis assim) desse universo tão provocante.

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Caique Henry
Caique Henryhttp://estacaonerd.com
E aí, galera! Eu sou o Caique Henry, um amante da arte que adora dar uns pitacos sobre cinema. Loucamente apaixonado pelo cinema de gênero, posso ser considerado o crítico de cinema mais legal do país.
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