Todd Haynes (Carol) volta as telonas com seu drama novelesco sobre uma atriz de cinema (Natalie Portman) que está estudando para seu novo trabalho, uma cinebiografia na qual irá interpretar Gracie (Julianne Moore), uma mulher que há alguns anos atrás esteve envolvida em um escândalo de grandes proporções cujas consequências ainda perduram no presente, principalmente no que diz respeito ao personagem de Charlie (Charles Melton).
O filme adota um tom propositalmente exagerado e já deixa isso claro logo de início, quando já em uma das primeiras cenas Moore protagoniza um dos momentos mais cômicos do longa. Haynes não tem vergonha de abusar de elementos bregas, que estão presentes desde a – excelente – trilha sonora até os diálogos hiperbólicos e as atuações “over the top”, perfeitamente combinados para criar um melodrama de altíssimo nível. É comum que o termo “novelesco” seja usado como sinônimo de algo negativo, no entanto esse não é o caso de May December, que se aproveita dessa cafonice intencional para contar uma história tão indigesta.
A princípio tudo parece perfeitamente normal na vida dos personagens de Julianne Moore e Charles Melton, que vivem na tranquilidade dos subúrbios com sua família grande e feliz, ou pelo menos é assim que eles agem, como se nada estivesse fora do lugar. Em pouquíssimo tempo, já é possível notar a ocorrência de algumas anormalidades, a exemplo do “presente” desagradável que recebem ainda no começo do filme, nada obstante, os dois seguem fingindo normalidade. Até que a narrativa coloca suas cartas sob a mesa, revelando para o espectador a verdade absurda por trás daquela vida aparentemente idílica.
A montagem intercala momentos em aprendemos sobre escândalos do passado e somos apresentados a diversos testemunhos sobre o ocorrido, com cenas em que Moore aparece se dedicando à confeitaria, aos seus arranjos de flores e aos seus filhos. Ela aparece sempre delicada, vestida em tonalidades claras e falando com doçura na voz, como alguém sem nenhuma preocupação no mundo, que se recusa a encarar a realidade ao seu redor, que consome a todos os demais.
Haynes abusa nas referências cinematográficas, a mais evidente é “Persona”, principalmente na cena do espelho, mas seu estilo também remete ao cinema de Hitchcock, com toques de David Lynch misturado com um pouco de Pedro Almodóvar, mas o diretor não usa essas alusões despropositadamente, como um truque barato e rasteiro, o paralelo funciona porque é bem pensado e bem empregado na narrativa para não se tornar um exercício vazio.
Ainda que pareça chover no molhado, é preciso elogiar – mais uma vez – as performances de Julianne Moore e Natalie Portman que após vários anos de indústria e currículos invejáveis ainda conseguem surpreender positivamente com um trabalho belíssimo. As atuações são lúdicas para combinar com a proposta do projeto, sem nunca perderem a carga dramática, nem retirarem o peso daquilo que está sendo contado. Isso só funciona graças a um trabalho em conjunto perfeitamente orquestrado entre duas veteranas de alto calibre e um diretor com muita noção do que está fazendo.
Dito tudo isso, quem realmente roubou a cena, foi o novato Charles Melton, que até então era mais conhecido por seu papel em Riverdale, todavia apesar da pouca experiência, ele consegue se manter no mesmo nível de suas colegas de elenco, sem nunca desapontar. Seu personagem é o fio emocional da história e ele sustenta toda a vulnerabilidade que lhe era exigida, na nuance de um olhar que contraria as palavras proferidas pela boca. Se o filme é um mar de extravagâncias, Melton é o contraste, não por estar fora do tom, mas sim porque seu papel exigia exatamente isso, justamente pela posição em que se encontra.
Combinando sátira e acidez com altas doses de polêmica, Haynes consegue fugir do mau gosto e criar uma narrativa envolvente, a despeito do tema espinhoso. Ao mesmo tempo levanta questões urgentes, sem escorar-se apenas na “mensagem importante”, preocupando-se com forma e não só com o conteúdo. Dessa forma, oferece sua denúncia, mas não se esquece de fazer também um bom filme.