Na contramão de uma tendência cinematográfica atual de filmes cada vez mais grandiosos que tratam de assuntos “globais” e “importantes”, Seu Cavalcanti opta por uma abordagem intimista sobre a vida cotidiana do personagem que dá nome ao filme. Esse relato tão particular, que parte de uma série de filmagens caseiras combinadas com eventos dramatizados, acaba evocando sentimentos universais, levando o público a reações extremas, do riso ao choro.
Durante aproximadamente duas décadas, o diretor Leonardo Lacca filmou – com o carinho de um neto e o cuidado de um cineasta – parte da vida de seu avô, em momentos rotineiros enquanto dirigiam pela cidade no carro velho que já era quase parte da família, ou em situações especiais como a formatura de direito de sua primeira neta. Essas filmagens caseiras – não confundir com amadoras, porque disso elas não tem nada – condensadas em menos de uma hora e vinte minutos, constroem a imagem de Seu Cavalcanti: um idoso desenvolto, carismático, cheio de manias adoráveis, paixões, medos e uma saúde invejável.

Conhecê-lo através do olhar e da câmera de seu neto é se encantar por ele. Isso porque Lacca escolhe sempre precisamente como filmar e onde posicionar essa câmera, o que acaba fazendo toda diferença na forma com que percebemos esse personagem e nos relacionamos com ele. Seja filmando-o no auge do seu despojamento enquanto dança feliz em uma festa, ou quando nos coloca na posição de voyers que o assistem comendo açúcar (ou sal?) escondido, com o olhar de uma criança travessa.
Essa abordagem mais documental é alternada com momentos encenados – contando, inclusive com a ilustre presença da atriz Maeve Jinkings, em uma participação pra lá de especial. Misturando realidade com ficção, o protagonista ganha novos contornos, se aproveitando de sua desenvoltura perante uma câmera, atuando ou agindo naturalmente. E ainda nos rende cenas preciosas de Seu Cavalcanti sendo dirigido pelo neto.
Essa manipulação da realidade rende uma das cenas mais belas do filme: a mãe do cineasta celebra um aniversário melancólico e algo é inserido artificialmente para ressaltar ainda mais a emotividade da ocasião.
Inclusive, até mesmo as limitações ou os “erros” acabam sendo devidamente aproveitados para dar identidade ao projeto, graças a sagacidade do diretor que transforma um problema de áudio em uma cena hilária de dublagem ou quando decide manter uma filmagem com um ângulo ruim porque alguém havia inadvertidamente mexido na câmera. Seu Cavalcanti é gigantesco em sua simplicidade, um projeto extremamente pessoal, porém em nada restritivo, graças a forma com que o diretor aproxima o público de seu objeto de estudo, através da beleza da trivialidade. O filme estreia nos cinemas dia 11 de setembro.