qui, 4 julho 2024

Crítica | Shin Ultraman

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Ultimamente, temos discutido bastante nas redes sociais sobre a esterilização do cinema fantástico em Hollywood. Empresas como a Marvel popularizaram essa estética mais fria e sem vida ao lidar com a fantasia. É a imaginação sendo constantemente transportada para o real, uma busca feroz pelo “fazer sentido”. Isso me faz refletir sobre o que seria das grandes aventuras se sempre pensássemos assim. O que seria de Star Wars sem as explosões épicas no espaço ou da imersão digital de Matrix? O falso se faz necessário; a mentira, a enganação e o grotesco também fazem parte do cinema, talvez da melhor parte do cinema.

O cinema fantástico deve ser um espaço onde a imaginação pode florescer sem as amarras da realidade. A beleza da fantasia reside na sua capacidade de nos transportar para mundos onde o impossível se torna possível. Deixo claro que o realismo não é o problema, mas sim a maneira como lidamos com a fantasia nos dias atuais. Em um cenário onde o fantástico é diluído pela lógica, corremos o risco de perder a essência do cinema que encantou muitos de nós. Este debate recai sobre a disputa entre efeitos práticos e CGI, como se os efeitos especiais computadorizados fossem vistos de maneira inferior, criando uma multidão de fetichistas pelo efeito prático. Na verdade, o CGI tem o poder de elevar o cinema a um patamar que talvez nunca pudesse ser alcançado. É a câmera entre naves, aviões e explosões que os efeitos nos permitem olhar para algo que nunca poderíamos ver.

Ainda assim, há uma luz de esperança. Em Hollywood, temos M. Night Shyamalan, que adora lidar com o fantástico de forma brega e lúdica (e eu adoro isso). Porém, o cinema não se faz apenas de Hollywood. No continente asiático, talvez a região que atualmente melhor lida com a fantasia, temos Hideaki Anno e Shinji Higuchi, diretores que assinam juntos (escrito e dirigido, respectivamente) Shin Ultraman. Assistir a um filme como Shin Ultraman me faz pensar que a Marvel e seus pares nunca conseguirão criar algo tão autêntico e inventivo como esse.

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Shin Ultraman é um filme, que parte de um olhar único, lida com o clássico — nos efeitos especiais meio setentistas — e, ao mesmo tempo, é profundamente contemporâneo, especialmente ao tratar das relações interpessoais — um tema recorrente nos roteiros de Anno. É nessa dinâmica que o real e o falso se entrelaçam, transformando o imaginário filmado em algo crível e divertido. O exagero constante e a naturalidade com que aquele universo lida fazem com que ele se torne “normal”. O verdadeiro se funde ao falso e o falso ao verdadeiro, criando, por consequência, o próprio cinema. Diante disso, Shin Ultraman é a própria concepção do que é cinema.

Shin Ultraman exemplifica essa fusão ao apresentar um mundo onde as fronteiras entre o real e o fantástico são continuamente “reconfiguradas”. Através de seus efeitos especiais nostálgicos e a abordagem filosófica que lida com as relações humanas (e inumanas), o filme nos leva a aceitar o impossível como parte integrante de sua narrativa. A naturalidade com que os personagens interagem com elementos surreais contribui para a sensação de que estamos vendo uma realidade alternativa, mas totalmente plausível dentro de sua própria lógica interna. Essa capacidade de mesclar o verossímil com o inverossímil de maneira tão harmoniosa é o que torna Shin Ultraman uma obra-prima do cinema fantástico. Ele não apenas nos convida a suspender a descrença, mas nos faz acreditar, ainda que por um breve momento, que o impossível pode ser real.

Gosto particularmente de como Higuchi faz referência a uma decupagem gamificada, sem se prender completamente a ela, apenas incorporando algumas ideias, como reinventar a imagem e o modo de observar os cenários. No cinema gamificado, a ambientação está sempre se renovando, como um cenário de jogo que muda a cada fase; aqui, quem muda são os planos. A câmera cria essa dinâmica de olhar por inúmeras perspectivas, nunca retornando ao ponto inicial. É como um jogo que brinca com o olhar do espectador, mas vai além, criando algo muito particular que une o exterior ao interior. 

A direção de Shinji Higuchi está sempre se moldando, partindo de um olhar externo, alienígena, que observa com atenção e, ao mesmo tempo, está sempre próximo, ao lado, como um humano que sente a própria complexidade. Shin Ultraman é um filme que lida com a complexidade na própria imagem. O interessante é que as reflexões mais profundas vêm daquele que é menos humano, Ultraman. Na verdade, Ultraman é o elo entre esses mundos; ou seja, Shin Ultraman usa seres intergalácticos para complexificar a própria humanidade.

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Caique Henry
Caique Henryhttp://estacaonerd.com
Entre viagens pelas galáxias com um mochileiro, aventuras nas vilas da Terra Média e meditações em busca da Força, encontrei minha verdadeira paixão: o cinema. Sou um amante fervoroso da sétima arte, sempre pronto para compartilhar minhas opiniões sobre filmes. Minha devoção? Cinema de gênero, onde me perco e me reencontro a cada nova obra.
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