Uma linha tênue divide delicadeza e coragem – ou, pelo menos, a falta dela. Em um período cinematográfico em que a parece haver a necessidade de que todo filme contemple uma pauta importante, que lhe entregue uma visão de mundo que seja de acordo com o contemporâneo – às vezes, sem espaço para até mesmo deixar o questionamento para o espectador – nos deparar com obras como Sol de Inverno é sempre uma experiência interessante.
Hiroshi Okuyama – diretor do filme – narra a história do pequeno Takuya (Keitatsu Koshiyama). Tímido, com dificuldades para falar, o menino parece deslocado para acompanhar os demais colegas, entusiasmados com os treinos de hóquei no inverno. Embora não leve muito jeito para o esporte, Takuya descobre na pista de patinação algo novo ainda mais empolgante ao assistir às coreografias da jovem Sakura (Kiara Takanashi). Atento ao interesse do menino, o treinador Hisashi Arakawa (Sôsuke Ikematsu), ex-campeão da patinação artística e recém-morador da pequena cidade onde se passa a história, decide acolhê-lo e treiná-lo como parceiro de Sakura.
Pela premissa apresentada, o filme tonaliza uma ideia de superação e inspiração que pode remeter aos projetos hollywoodianos que tem como base algum esporte. O que Okuyama faz é afastar completamente essa possibilidade, buscando fugir do espetáculo dos obstáculos e das conquistas. Tudo acontece de forma muito contida, delicada. A primeira neve do inverno cai sobre Takuya sinalizando uma mudança de estação – e de fase; o olhar dele para a jovem Sakura é um interesse maior naquilo que ela faz, nos movimentos que ela consegue evocar ao som de Debussy; e o olhar de Arakawa sobre o menino vem no sentido do acendimento de uma possibilidade de passar para um jovem garoto seu conhecimento e sua admiração.
Dessa relação entre os três surge alguns dos momentos mais bonitos do filme: o treinamento na pista de gelo, com os raios solares invadindo o espaço pela janela, criando um espaço suspenso no tempo, quase etéreo. É como se o inverno trouxesse consigo o calor da companhia, do descobrimento, das possibilidades. Quando os três vão treinar no exterior, em meio a neve, os tons da fotografia aliado à textura da película criam uma atmosfera carinhosa, de alguma forma tátil, dando ao momento um tratamento amoroso e nostálgico, como se aquele momento fosse único e que não fosse se repetir.
Em outras palavras, Okuyama trabalha durante uma hora de projeção com uma narrativa sem conflitos, sem qualquer espetacularização, com cuidado, atenção e carinho pelos personagens, por suas vivências e, também, pela imagem. Tudo é narrado com delicadeza, palavra contida na primeira frase desse texto.
Mas, então, o que “coragem” tem a ver? Voltamos nossa atenção para o momento que Sakura vê Arakawa com seu cônjuge. O que se passa na cabeça dela? Frustração por o professor que ela demonstra admiração estar com outra pessoa? Um possível favorecimento do mentor em relação a Takuya? Ou, simplesmente, homofobia – que também está contida nas questões anteriores. Em outras palavras, o filme trabalha mais com as possibilidades suscitadas que com o movimento assertivo.
Ou seja, não há – além de uma cena com a mãe da garota e outra com o companheiro – muito o que se subtrair dessas atitudes, abrindo margem para se questionar até que ponto a delicadeza deve se sobrepor à coragem. Isso não implica dizer que o filme deveria abraçar o drama como o grande conflito e se construir em torno dele – nunca fez parte da proposta, por sua vez – mas é sempre um ponto a se levantar quando o comedimento narrativo não é tão discernível da falta de coragem. Ainda assim, de forma geral, o segundo longa-metragem de Okuyama é uma bela trama sobre juventude e descobertas em que a atmosfera do espaço diz muito sobre os sentimentos que vão brotando ao longo da narrativa.