dom, 22 dezembro 2024

Crítica | Spencer

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Os contos de fadas parecem não existir apenas no campo ilusório. Conduzidos por histórias fantasiosas, tais fábulas são capazes de transcender a imaginação e chegar até a Idade Contemporânea, mas não necessariamente por meio de uma varinha de condão. As figuras centrais deste universo se fundem com a existência física no corpo de uma monarquia real, na qual fazem parte princesas como Grace Kelly, princesa de Mônaco, e duquesas como Kate Middleton, esposa do príncipe William, do Reino Unido. Todavia, o que é necessário para tornar-se membro da realeza em um mundo fora dos livros e filmes? Sair da normalidade e, por vezes, do anonimato, para começar uma vida envolta por normas e regras não deve ter seu preço? Para responder indagações semelhantes, o diretor Pablo Larraín foca em uma personalidade conhecida e adorada para descrever estas situações através de um colapso: Diana, Princesa de Gales.

Spencer (2021), de Larraín, revisita os possíveis acontecimentos dos 3 dias de feriado de Natal de 1991 no palácio de Sandringham, em Norfolk, Reino Unido, onde a família real encontrava-se acomodada. Titularizado com seu sobrenome, o filme percorre a conturbada mente de Diana, popularmente como Lady Di, durante este período, e após, inclusive, rumores de traição a envolvendo juntamente com seu marido, Príncipe Charles. Prestes a ruir, seu casamento quase de fachada é somente um dos fatores que fazem Diana sentir-se oprimida em todas as esferas que a rondam, desde o âmbito do protótipo comportamental de como deve agir até a anulação de suas verdadeiras opiniões. Ao longo do caminho da personagem, mais tormentos se potencializam em seu interior e mais medo quanto ao resultado de seu futuro na família real, são assistidos. 

Sempre ao som de uma claustrofóbica música clássica, vemos Diana afundar seu próprio eu em uma areia movediça de temores: temor de ser pega sendo ela mesma, de não cumprir os requisitos de uma boa dama, de deixar ser controlada por sua falta de sanidade, e por aí vai. Aqui, o refinamento e o classicismo dos cenários, detalhadamente ricos para enfatizar a riqueza, com pratarias valiosas sob cada móvel de madeira maciça e com panos da cortina igualmente sofisticados, por exemplo; e o apreço pelo tradicional, haja visto toda decoração do século IX do local; são mecanismo de coerção para a princesa. Sentindo-se desconfortável durante todo longa-metragem, Diana permite que o espectador passeie por seu psicológico danificando, conduzindo praticamente sozinha uma história tracejada por sofrimento, remorso e melancolia. Este último sentimento, aliás, preside o tom de um enredo que foca em sua personagem principal como mártir das ordens de etiqueta da nobreza e se esquece de contar, de fato, uma “fábula” – como se denomina no início – com nuances que competem só a protagonista.

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Com coadjuvantes de escanteio (até figuras significativas, como Príncipe Charles (Jack Farthing) e Rainha Elizabeth (Stella Gonet)), o holofote recai praticamente na íntegra para Kristen Stewart. Apresentando facetas desconhecidas em sua versão de Diana, já interpretada por Naomi Watts em Diana e Emma Corrin na série The Crown, a atriz agrega à uma celebridade criada de forma intencional e amada pela massa, trejeitos característicos de quem está em constante tensão, reformulando a ideia de que uma princesa vivencia apenas a alegria. De um olhar sufocado até o comprimir nervoso das mãos, a Diana de Stewart rechaça todo e qualquer vestígio de bem-estar em residir em sua pele, e torna o compadecimento uma sensação recorrente dirigida a ela pelo público. Apesar da angústia de ter deixado sua vida mundana, a personagem encontra um vislumbre de prazer ao cuidar de seus dois filhos e ao conversar com Maggie (Sally Hawkins), sua criada. Sua intérprete, então, trata estes momentos como uma válvula de escape efêmera, sem deixar de lado o olhar aflito acumulado pela repressão de suas ações aparentemente simplórias, tais quais comer um bolo na despensa. 

Assim como em Jackie (2016), Pablo Larraín dirige um indivíduo desconhecido em sua intimidade, porém adorado por um coletivo. No lugar de Jacqueline Kennedy, aqui o diretor revela sua visão de quem é a Princesa Diana, especulando, a partir de um recorte do estudo do que se sabe sobre a princesa, problemas físicos e mentais que conferem à ela um ar de descoberta. Além disso, a fotografia de Claire Mathon em tons pastéis; a cenografia e o figurino mais condizente com os anos 50 do que com a década de 90; o travelling contínuo que percorre locações abertas ou fechadas, fazendo de Diana somente uma pequena parte de uma composição gigantesca; embelezam uma trama pesada por si só. Contudo, o roteiro não se desprende de sua protagonista, e seu caminho às vezes é mais lento do que interessante, dado a já estabelecida – com início logo nas primeiras cenas do filme –  aflição de Diana. Não há muito o que se dizer a respeito dos arredores da personagem, o que faz pobre algo que contemplaria o contexto do penoso rumo da moça. 

Spencer respira o desespero silencioso da Princesa Diana e possui em mãos um grande mecanismo para passar tal frustração em frente a câmera: Kristen Stewart. Partindo de uma munição potente, a artista sobressai ao spot de Pablo Larraín, que, por sua vez, utiliza de belas e requintadas imagens para contar uma narrativa que contrapõe o visual de colorações claras com o taciturno destino de sua protagonista. Entretanto, entendida a proposta da obra, o ciclo de pequenos acontecimentos asfixiantes para a princesa pode transformar-se em cansaço, no qual nenhuma novidade ou adversidade externa acontece para reverter-lo. A ausência de uma história melhor elaborada, com movimentações que contribuíssem para sua maior dinamicidade e participação de outros que pudessem ter interferido no percurso da princesa, diminui a conectividade com o que está ocorrendo, já que é hiperbólico os eventos que reforçam as emoções de Diana. Porém, o que primordialmente faz pensar é: a que custo um falso conto de fadas pode sair?  

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