seg, 8 setembro 2025

Crítica | Suçuarana

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O cinema brasileiro sempre demonstrou uma habilidade particular em acompanhar deambulações de personagens pelos caminhos errantes de nossa geografia. De Vidas Secas (1963), de Nelson Pereira dos Santos, a O Último Azul (2025), lançado há algumas semanas, de Gabriel Mascaro, esse interesse pelos sujeitos à margem da sociedade parece propor uma reflexão sobre aqueles que encontram no trajeto a própria razão de existir. Em Suçuarana, de Clarissa Campolina e Sérgio Borges, essa tradição se renova na figura de Dora (Sinara Teles). 

Há pelo menos dez anos na estrada em busca do mítico Vale de Sussuarana, registrado apenas em uma fotografia de sua mãe, Dora encontra pelo caminho rostos que, como ela, compartilham do mesmo desnorteamento social. Acompanhada de um cão que mais tarde batizará de Encrenca, ela encarna uma errância que, a cada encontro, revela fragmentos de outras vidas: a funcionária de um ônibus que fala sobre maternidade, um senhor vivido por Carlos Francisco que lhe empresta um casaco, uma mulher que se torna próxima quando ela tenta se assentar em uma região abandonada após uma tragédia natural e cuja sobrevivência se dá com as carcaças metálicas daquilo que restou. 

Campolina e Borges partem de uma premissa simples para construir um filme que mostra-se dentro de uma tradição cinematográfica mineira onde a protagonista é um ponto de profusão de histórias que, como a dela, parecem capturar essa marginalidade nesse espaço que parece suspenso no tempo. Dora, como a puma que dá nome ao filme, é uma mulher calma, que busca evitar contato com outros (“Não sirvo pra isso”, diz ela a Encrenca quando ele tenta lhe tirar algum carinho), mas que ataca quando se sente ameaçada. 

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E esse contraste pode ser encontrado dentro da própria forma do filme, no qual existe uma elaboração estética que traz primazia não apenas para a imagem, mas também para o som. Observemos, por exemplo, quando a câmera faz um plano aéreo da região com o som que destoa da imagem exibida. Mais que sublinhar esse aspecto de desnorteamento por parte do próprio filme, ele exercita um contraste que também será encontrado na opção de planos do restante da metragem. Ora com planos abertos, ora com planos mais fechados, o filme insere esses personagens na imensidão do ambiente, mas seu desejo está no gigantismo que eles aparentam quando seus rostos ocupam a tela, com seus monólogos, suas canções, seus medos. 

A busca pelo Vale de Sussuarana é uma desculpa narrativa, um pretexto para o encontro. O lugar talvez não exista, mas o percurso afirma um cinema interessado no movimento e naquilo que ele gera. Mais ainda: Campolina e Borges estão empenhados na construção de uma imagem do afeto que Dora inicialmente diz não ter jeito para tal. É nessa negação que ela abraça Encrenca, torna-se escuta do outro, fomenta uma intersubjetividade que se reflete dentro da própria forma fílmica. Quando ela opta por ir embora de onde estava e seguir para outro lugar o filme abraça a escuridão da incerteza, mas a chama do futuro entra em combustão quando a fotografia do Vale de Sussuarana é queimada.

Nesse cinema de errâncias, ou road movies, se quisermos recorrer ao termo estrangeiro, o que importa não é o ponto de chegada, mas o modo de andar. Em Suçuarana, Campolina e Borges encontram o tempo para que esse movimento se faça com delicadeza, abraçando tanto o realismo natural quanto lampejos do mágico, sem jamais perder de vista o essencial: o elemento humano. E, no fim, é disso que o cinema sempre tratou.

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Destaque

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