A arte cinematográfica permite que qualquer ideia possa ser representada dentro de uma lógica concebida e construída em sua máxima exatidão. O cinema se faz de uma associação entre o cosmos do filme e conceitos da natureza humana, e nós, como espectadores, buscamos relacionar esses elementos com a nossa vivência particular. M. Night Shyamalan talvez seja o melhor diretor que consiga dialogar com essas questões, ao mesmo tempo que resgata um cinema mais inocente, fantasioso e que antagoniza com o movimento de filmes sombrios e realistas.
Shyamalan encontra no cinema hollywoodiano uma oportunidade de mostrar suas idéias e contar suas histórias. É evidente que seu estilo desagrada a maioria – justamente por abraçar uma certa misticidade de forma pura e mitológica, sem vergonha de dizer que acredita em algo imaterial, inalcançável e inexplicável. Seus filmes carregam uma certa resistência dentro do grande mercado cinematográfico. Resistência essa que não se refere à produção em si, mas de fazer um cinema genuíno por si só e acreditar na história que conta, sem precisar adequar a certos parâmetros da indústria – coisa que as irmãs Wachowski também vem enfrentando com seus últimos filmes. Dama na Água ou A Vila são os maiores exemplos dentro da carreira do diretor que demonstram esse apreço por uma imaginação autêntica, mas que se prova muito virtuosa e humana. Que outro diretor usaria de um condomínio para criar uma aventura épica, digna de uma campanha de RPG de mesa e, paralelo a isso, usaria desse cenário para discutir temas como depressão, solidariedade e autoperdão? Ou então, usaria de um medo primitivo envolto por criaturas monstruosas para debater o conservadorismo nos Estados Unidos. Em Tempo, Shyamalan não só constrói um terror que evidencia toda a força avassaladora da natureza (assim como em Fim dos Tempos), mas faz uso de suas habilidades cinematográficas para manifestar-se contra uma imposição social de abandono a inocência e aceitação das frustrações providas pela vida adulta.
“Qual seu nome e sua profissão?” Essa é a pergunta que Trent (Nolan River) e seu amigo Idlib (Kailen Jude) fazem em tom de brincadeira para as pessoas que estão no resort curtindo suas férias. A brincadeira despretensiosa traz uma sensação de avaliação, como se esse tipo de pergunta fosse uma espécie de treinamento para a vida adulta – onde sua profissão diz mais quem você é. Em outro momento, uma mãe ajeita a postura da filha durante o café da manhã. A justificativa seria que nenhum homem iria querê-la se estivesse com a coluna torta. São nesses momentos que Shyamalan busca uma desconstrução da figura infantil, transformando esse momento tão significativo dentro da passagem da vida em apenas um evento preparatório para se adequar a certos consensos sociais. Nessa dinâmica de alicerces que relacionam o crescimento como processo de descrença, é por meio de um fator misterioso que surge a inevitabilidade da morte, ou melhor: da condição humana.
O conflito em questão gira em torno de uma ilha isolada onde o tempo passa mais rápido; logo, os personagens precisam sair de lá antes que morram de velhice. O que poderia ser um suspense energético e urgente é, na verdade, apenas um contexto para Shyamalan fazer o seu próprio coming of age, evidenciando os desafios de se deparar com situações do mundo real e com a necessidade de tomar decisões. Trent e sua irmã Maddox (Alexa Swinton) sofrem com essa passagem de tempo por meio de suas mudanças corporais e psicológicas. Encarar tal mudança de forma tão drástica é o verdadeiro terror que o filme busca nos apresentar. Não reconhecer quem é, seu corpo, sua voz, ao mesmo tempo que parece ver sua vida passar por seus olhos, é tão aterrorizante quanto se deparar com o sobrenatural. O desconhecimento não se dá apenas pelo crescimento em si, mas também por todas as circunstâncias causadas pela vida adulta. Quanto mais envelhecem, mais se encontram com cenários de violência, morte, tragédia, desesperança, luto. Todos elementos que se normalizam como parte de uma vivência adulta, agora fazem parte de um universo que antes era limitado a uma visão infantil do mundo.
Enquanto os filhos começam a ingressar nessa realidade mais dura, os pais começam o processo de se despedirem da vida. A dinâmica familiar funciona como um rito de passagem, um ciclo natural da vida em que se faz presente, mas de maneira torta. Cada um tem a sua particularidade e a imagem de um fluxo contínuo, seguindo a lei da natureza, é desmantelada para dar lugar a uma noção bem mais realista e até um pouco pessimista. O terror de envelhecer evidencia uma fragilidade humana irremediável. Shyamalan destaca essa fragilidade com planos fechados na cara dos atores mais velhos, reiterando essa transparência de um estado de enfraquecimento provocado pela ação da natureza. Em contrapartida, desfoca parcial ou totalmente as crianças durante a transição. É seu filme mais econômico, minimalista e, de certa forma, menos estimulante visualmente, mas tudo tem por função conceber um certo posicionamento dentro do filme, uma visão de realidade opressiva.
Falar sobre como crescer é doloroso não é novidade. Diversos filmes abordam essa temática que parece se repetir em uma espécie de semelhança com o público; afinal, todos crescem uma hora (é o que dizem). O desafio de se deparar com as mudanças pessoais e espaciais tem tanto poder quanto uma jornada do herói enfrentando as forças malignas que dominam o mundo. Ambas partem do mesmo princípio de sair da zona de conforto, encarar a realidade e abandonar uma vivência que não existe mais. Shyamalan entende o crescimento como parte natural, mas não aceita que precisamos apagar nosso lado infantil por uma ridicularização social. Dois irmãos de 50 anos podem brincar de fazer castelos de areia antes de encararem uma possível morte. E onde está a saída para esta situação desesperadora? Numa carta codificada entre dois amigos. É o resgate de uma época esquecida que nos mantém vivos.